Alguém me presenteou há dias com um objeto há muito aposentado e de que eu conhecia a existência, mas nunca vira um exemplar: um pente para bigode. Como não uso bigode, a amiga que me brindou com a preciosidade o fez com fins estritamente museológicos —segundo ela, o pente pode ser centenário e de origem ilustre. Ao recebê-lo, entendi. É um pente comum, como aqueles da marca Flamengo, mas sueco, de um metal pesado e resistente, apto a encarar as cerdas mais bravas que o desafiassem. E com o detalhe: um dente quebrado, provável reminiscência de uma batalha de que o bigode tenha saído vencedor.
Com isso, para mim, o pente ganhou significado ainda maior. De quem seria o bigode que o desfalcou? Como o passado foi um festival de barbas, bigodes, suíças e cavanhaques, pensei logo na óbvia possibilidade —que tivesse pertencido a um dos presidentes da Primeira República, a maioria portadora de vastas barbaças e todos, de formidáveis bigodes.
Consultei as enciclopédias e, pelo visual, não cheguei a nenhuma conclusão. O pente poderia estar no toucador de qualquer um daqueles homens. Já pelo lado político, havia suspeitos disparados: Floriano Peixoto (1891-1894), o Marechal de Ferro, que impôs o estado de sítio, fuzilou adversários e bombardeou o Rio; Arthur Bernardes (1922-1926), que também governou sob estado de sítio, fechou jornais e bombardeou São Paulo; e Washington Luiz (1926-1930), cuja vaidade, ambição e arrogância ("Comigo é na madeira!") cavaram sua queda. Os bigodes desses três teriam sido capazes de enfrentar aquele pente.
O primeiro a dispensar o bigode para governar foi Getúlio (1930-1945). Desde então, exceto por Jânio (1961), Costa e Silva (1967-1969), Sarney (1985-1990) e Lula (2002-2010) —não que o bigode os ilibasse—, todos os ocupantes do Catete ou do Planalto tinham a cara lisa.
E não uma, mas as duas caras. Ou as três do atual.
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