Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Por que entender os acertos de Gudin

Não analisar a contribuição de Gudin significa andar em círculos, repetir erros

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Navegando pelo site The Intercept Brasil, deparei-me com a coluna de 7 de maio, escrita pelo professor de história do pensamento econômico da UnB Alexandre Andrada, sobre a tradição autoritária dos liberais brasileiros.

Alexandre nos lembra do apoio à ditadura de Roberto Campos e de Eugênio Gudin, entre outros.

Não há como discordar. Talvez seja útil lembrar que o namoro com o autoritarismo era ecumênico naqueles tempos, incluindo boa parcela da esquerda. Como, aliás, ocorre hoje. Basta ver o apoio de amplos setores da esquerda brasileira às atuais ditaduras do continente.

O economista Eugênio Gudin segura papéis
O economista Eugênio Gudin, em 1961 - Folhapress

Alexandre também discutiu o pensamento econômico de Gudin. Aí a coisa desandou. Há muitas citações anacrônicas de Gudin. Fato não surpreendente para um homem cujo primeiro quartel de vida transcorreu no século 19. No entanto, mesmo a boa caricatura tem limites.

No texto "O caso das Nações Subdesenvolvidas", de 1952, Gudin argumenta que seria difícil nos desenvolvermos. Não tínhamos petróleo e carvão, nossa topografia é desfavorável para transportes, e os nossos rios são de difícil navegação.

Além do mais, sofríamos de atraso educacional e faltava-nos boas tecnologias para agricultura de clima tropical. Talvez Alexandre não saiba, mas Gudin acabou por incentivar a Embrapa.

A historiografia sobre a economia brasileira no século 19 mostra que o elevado custo de transporte foi um dos fatores a explicar nosso atraso naquele século, relativamente à economia americana.

Essa mesma historiografia documentou que o impacto das ferrovias na produtividade da economia brasileira foi bem maior do que o impacto dessa tecnologia sobre a economia americana.

Para Gudin, não estávamos condenados ao subdesenvolvimento, mas sua superação seria difícil e requereria muito trabalho e poupança.

No texto "Produtividade", de 1954, tão atual que pode ser hoje adotado em qualquer curso de desenvolvimento econômico, ele identifica nosso atraso na baixa produtividade e mostra como esta não está associada à especialização setorial.

No texto "Programação e Planejamento Econômico", de 1956, Gudin insiste na importância da educação. Já tratara do tema em sua palestra "Educação e Riqueza", de dezembro de 1936.

Também mostra como uma urbanização precoce, estimulada por políticas públicas equivocadas, encarecia os alimentos produzindo inflação e carestia. Os mais pobres acabavam por pagar a conta.

Diferentemente da tradição estruturalista --que enxergava o subdesenvolvimento como ligado ao padrão de especialização produtiva da economia e a mecanismos de exploração conduzidos pelas economias centrais--, para Gudin, a superação do subdesenvolvimento dependia de boas escolas e boas instituições. O desenvolvimento industrial, e dos demais setores, seria consequência.

Segundo Gudin, éramos e somos os únicos responsáveis por nossa miséria. Nossa trajetória dos últimos cem anos parece corroborar os seus argumentos de quase um século atrás.

A análise superficial de Alexandre exemplifica nossa incapacidade de aprender coletivamente.
Não há problema em criticar Gudin por seu apoio a regimes autoritários e por trechos politicamente incorretos. Devemos reconhecer seus erros.

Mas não analisar, com abertura e sem preconceitos, a contribuição de Gudin significa ficarmos andando em círculos, repetindo erros.

O próximo governo de esquerda desperdiçará novamente R$ 600 bilhões no BNDES e apoiará a indústria naval para, alguns anos à frente, ela quebrar pela quarta vez?

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