Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Fernández e a Argentina

Tudo indica que a decadência crônica de nosso vizinho continuará

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Macri legará herança maldita para Fernández: inflação a 60% ao ano, déficit primário de 1% do PIB e dívida pública de 82% do PIB, em junho passado, sendo que 85% dela denominada em dólar. Em 2020, parcela significativa da dívida vence.

O que se sabe? A Argentina não pagará sua dívida nos termos em que ela foi contratada e experimentará longo período de conta de capital fechada: conviverá muitos anos com câmbio paralelo.

É muito provável que Fernández tente um ajuste fiscal com aumento de impostos, como fizemos por aqui em 1999, primeiro ano do segundo mandato de FHC.

Há peronistas para todos os gostos. Fernández é um peronista de centro ou centro-esquerda. Tentará ajustar a economia.

Além de uma política fiscal apertada, a política monetária deve ser frouxa. O controle inflacionário não deve ser a prioridade.

Fernández não tem maioria na Câmara. Foi noticiado no jornal Valor Econômico de terça-feira (29) que o governo terá 120 cadeiras, e o movimento Cambiemos de Macri, 119. Além disso, 5 cadeiras ficarão para peronistas moderados, e 5, para o grupo de Lavagna.

Dois temas para observar. Primeiro, como a ala esquerda do peronismo –conhecida por La Cámpora– se comportará. Apoiará ou não as medidas necessárias ao ajuste macroeconômico?

 

Segundo, se a bancada do movimento Cambiemos apoiará –como o PSDB fez no governo Lula– a agenda de reformas e de ajuste da economia.

Em um cenário superotimista, o Congresso arruma a casa --ajuste fiscal com aumento de receita– e, em seguida, a Argentina fixa a paridade do peso ao real, dado que a estrutura de choques da economia brasileira é muito próxima da argentina, para reduzir a inflação.

Antes de fixar o peso ao real, poderia fazer algum tipo de política de renda de programa de ajustamento heterodoxo –calcular salários e preços pela média, por exemplo– para que os novos preços relativos sejam próximos de um equilíbrio macroeconômico.

Em seguida, se mantiver o ajuste fiscal e conseguir eliminar a inércia inflacionária, pode caminhar para a flutuação do câmbio e a construção de um regime de metas de inflação.

A forma amistosa como Macri recebeu Fernández na Casa Rosada representa esforço dos dois políticos de criar uma cultura política menos belicosa.

Em que pese todo esse excesso de pensamento desiderativo, o cenário otimista não deve se materializar.

Após um ajuste incompleto, Fernández deve chegar a 2023 com inflação acima dos atuais 60% ao ano. O país deve caminhar em um horizonte mais longo para um novo episódio hiperinflacionário.

Contribui para o cenário pessimista a dificuldade que a esquerda do partido peronista terá para aceitar o custo do ajuste e a dificuldade que Fernández terá para conviver com uma vice que tem muito protagonismo.

De fato, o peronista radical de esquerda e governador eleito da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, cancelou o aumento das tarifas de energia elétrica de 25% planejado para janeiro de 2020 (bit.ly/2NwM3s9).

Em vez de Fernández entregar para seu sucessor uma economia no estágio em que estávamos no segundo mandato de FHC, provavelmente entregará algo próximo ao que tínhamos –e eles também– nos anos 1980.

Vale lembrar que Cristina legou para Macri um país todo desarrumado: inflação anual de 25%, com atraso tarifário que adicionaria dez pontos percentuais na inflação de um ano, além de déficit público primário de 4,5% do PIB.

Tudo indica que a decadência crônica de nosso vizinho continuará.

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