Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Eleição no presidencialismo de coalizão

Em nosso presidencialismo de coalizão, a disputa política precisa ser travada em tom menor

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Em 2014, o marqueteiro João Santana e o próprio PT foram muito criticados. A propaganda negativa contra seus adversários foi vista como muito violenta.

À primeira vista, essa percepção parece injusta. A violência nas disputas eleitorais faz parte da regra do jogo. Como apontou Nizan Guanaes, em entrevista a Luiz Maklouf Carvalho para o livro “João Santana - Um Marqueteiro no Poder”, “paixões à parte, o João cumpriu o papel dele. Se as pessoas acham que a campanha foi pesada (e ela foi) e que ela foi bruta (e ela foi), tem que ver os filmes negativos das campanhas americanas. Marketing político é UFC”.

A análise de Nizan tem um problema. Ela supõe que as instituições de nosso presidencialismo são próximas das instituições do presidencialismo norte-americano. Não é o caso.

O sistema de governo, se presidencialista ou parlamentarista, não é a característica mais importante dos sistemas políticos.

O marqueteiro João Santana aparece em primeiro plano, vestindo uma camisa azul clara por baixo de um blazer preto. Santana está olhando para seu lado esquerdo, com um leve sorriso no rosto.
João Santana, marqueteiro contratado para a campanha à presidência de Dilma Rousseff, em 2014 - Rodolfo Buhrer - 12.Mai.2019/Reuters

Arend Lijphart, professor de ciência política da Universidade da Califórnia em San Diego, mostrou que é possível classificar os sistemas políticos em duas grandes famílias: os sistemas majoritários e os consensuais. 

Nos sistemas majoritários, as regras são estabelecidas para que pequenas maiorias na sociedade formem grande maioria no Parlamento (fato que ficou claro na eleição no Reino Unido, na semana passada). Eles priorizam a capacidade de resolução rápida de divergências. No limite, temos a ditadura da maioria.

Nos sistemas políticos consensuais, as regras são estabelecidas de forma a obrigar sempre o difícil processo de construção de consensos. No limite, inúmeros grupos têm poder de vetos. As transformações estruturais caminham lentamente.

Nos sistemas políticos consensuais, o voto é proporcional em grandes distritos, havendo, portanto, grande fragmentação partidária; o Legislativo é bicameral, e o Estado é federativo; a Constituição é prolixa e detalhista, e há uma corte suprema com grande poder de rever decisões do Legislativo; entre outras características. Inverta os sinais e teremos o modelo majoritário puro, cujo melhor exemplo é o sistema político inglês.

Evidentemente, entre o sistema inglês e o modelo holandês, um dos casos extremos de modelo consensual, há um contínuo de possibilidades.

No modelo brasileiro, o presidente eleito dificilmente tem mais do que 20% das Casas Legislativas, em geral tem 15%, e o desenho institucional requer a aprovação de emendas constitucionais. Desde a promulgação da atual, em 1988, temos emendado a Constituição Federal ao ritmo de três a quatro vezes ao ano.

É verdade que a política é feita por indivíduos que têm o couro bem grosso. E que, em boa medida, a disputa eleitoral tem dimensão teatral. Mas há limites. A política é feita por mulheres e homens de carne e osso.

Finalmente, a política é um jogo repetido. Um comportamento hoje pode ter um preço alto no futuro e inviabilizar alianças. Aplica-se ao sistema brasileiro a máxima de Ulisses Guimarães: “Em política nunca devemos nos aproximar muito de alguém, de sorte a não conseguimos nos distanciar; nunca devemos nos distanciar muito de alguém, de sorte a não conseguirmos nos aproximar”.

Assim, em vista das características de nosso sistema político, a percepção generalizada de que João Santana e o PT extrapolaram em 2014 parece ser correta. Em nosso presidencialismo de coalizão, a disputa política precisa ser travada em tom menor.

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