Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Recuperação da atividade e ruídos

Clima de insegurança e de falta de liderança pode descarrilhar nossa recuperação cíclica

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Alguns dados de atividade econômica surpreenderam negativamente o mercado no quarto trimestre de 2019.

O mercado, que viveu um surto otimista com os bons números do terceiro trimestre, começa a jogar o pêndulo para o lado oposto.

A maior dificuldade no acompanhamento da atividade econômica é separar ruído de tendência. É sempre melhor trabalhar com dados trimestrais. Perde-se o frescor da última informação, mas se lida com o dado menos suscetível aos azares das séries econômicas.

As principais pesquisas do IBGE para o quarto trimestre não foram ruins. As pesquisas da indústria, do varejo e dos serviços apresentaram, no quarto trimestre ante o terceiro, já considerando as diferenças de sazonalidade, crescimento de, respectivamente, 0,7%, 1,2% e 1,4%.

A indústria tem apresentado as maiores dificuldades. Tem sofrido muito com a competição da China e com a crise argentina. Adicionalmente, a indústria provavelmente arca com as consequências da estratégia do Itamaraty de, por quase uma década e meia, priorizar exclusivamente os acordos comerciais multilaterais.

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Linha de montagem de motos na fábrica da Honda no distrito industrial da Zona Franca Manaus (AM) - Lalo de Almeida-05.ago.18/Folhapress

Em um mundo ideal, a estratégia multilateral está correta. No mundo real, em que os demais países embarcaram nos acordos bilaterais, a insistência de Celso Amorim com o multilateralismo apresentou carga ideológica. Deixou a indústria a ver navios e reforçou nossa especialização em commodities.

No curto prazo, há dados para todos os gostos. Por exemplo, a chamada “situação atual” da confiança do consumidor em fevereiro subiu ligeiramente. No entanto, o otimismo dos consumidores com os próximos seis meses caiu, apesar de ainda se manter em nível superior à situação atual. A confiança da indústria tem subido e em fevereiro atingiu o maior nível desde 2014.

Tudo somado e misturado, penso que as forças que colocaram a economia em recuperação cíclica estão vivas. Desenha-se para 2020 aceleração da taxa de crescimento para algo maior que 2,0%, liderada pelo consumo e pelo investimento imobiliário, com a indústria ainda marcando passo. 

Em um horizonte de tempo mais dilatado, a indústria deve se recuperar de forma mais forte, em razão de substituição de importações induzida pelo novo patamar do câmbio.

Nada maravilhoso ou que sinalize um ciclo distendido no tempo de crescimento, que atenda aos anseios da sociedade.

Dessa forma, apesar dos ruídos políticos, tudo sinaliza haver para o biênio 2020-2021 um descolamento entre a economia e os ruídos da política.

No entanto, sinais recentes preocupam. Há falta de liderança. O governador de Minas Gerais, estado que não consegue pagar em dia seus salários e que, há mais de ano, pendurado em liminar do STF, atrasa seus compromissos com o Tesouro Nacional (conta que já passa de R$ 4 bilhões), decide elevar os vencimentos da PM em 40%. Evidentemente essa ação tresloucada do governador acaba por estimular movimentos grevistas de policiais militares Brasil afora.

O presidente é sensível à agenda salarial das corporações da segurança pública e da defesa nacional. Acaba por estimular esses movimentos grevistas.

Há movimentos grevistas de policiais militares em todo o país, e os governadores, de joelho, vão concedendo aumentos sem que haja recursos orçamentários. Entrementes, o Congresso Nacional sinaliza que anistiará policial grevista.

E, assim, vai se construindo um clima de insegurança pública e de falta de liderança que pode, sim, descarrilhar nossa recuperação cíclica. Para os milhões de desempregados, seria mais uma frustração.

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