Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Crise política parece começar a interferir na cotação do real

Houve piora no ambiente político, o desempenho da economia no 4º trimestre não foi positivo e coronavírus adiciona complexidade

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O câmbio atingiu novas máximas na semana passada. Na sexta-feira (6), fechou a R$ 4,63 por dólar. Desde o início do ano, quando rodava por volta de R$ 4,0 por dólar, o real desvalorizou-se em 15,5%.

O movimento não é novo. A moeda brasileira vem se desvalorizando desde pelo menos o início de 2018, quando cada dólar comprava R$ 3,2. Com o patamar atingido na sexta-feira, a desvalorização ao longo de todo o período chega a 44%.

É muito difícil prever movimentos das moedas. É resultado conhecido da literatura que qualquer modelo que tente prever os movimentos do câmbio terá desempenho pior do que simplesmente jogar uma moeda.

É possível, no entanto, tentar entender o passado. Eu e meu colega do Ibre Livio Ribeiro desenvolvemos modelos para estimar os fatores que condicionaram o movimento da moeda ao longo de um intervalo de tempo. Para o câmbio, somente há lanterna na popa.

Com seu auxílio, podemos dizer que, nos últimos seis meses, os movimentos do câmbio foram condicionados sobretudo por variáveis externas. Em boa medida tem havido um processo de valorização da moeda americana ante as demais.

Em janeiro até a primeira semana de fevereiro, o câmbio desvalorizou-se em 7,3%: saiu de R$ 4,0 para R$ 4,3 em 7 de fevereiro. O movimento deveu-se à redução dos preços das commodities e ao fortalecimento do dólar ante as demais moedas. O risco Brasil movimentou-se na direção da valorização do real, movimento, portanto, contrário ao observado.

 

Algo de novo aconteceu nas últimas semanas, contudo. Do dia 7 de fevereiro até 2 de março, segunda-feira da semana passada, o câmbio havia se desvalorizado em 4,2%: saiu de R$ 4,3 para R$ 4,5. A redução dos preços das commodities explica 1/3 do movimento, aproximadamente.

A novidade esteve no fato de que cerca de metade do movimento de R$ 4,3 para R$ 4,5 resultou, nesse período, da piora do risco Brasil —e essa piora não dependeu de fatores internacionais. Tudo indica que metade da desvalorização do real entre 7 de fevereiro e 2 de março foi devido a fatores domésticos, que aumentaram o risco.

Os mesmos cálculos entre 7 de fevereiro e o início da tarde de 5 de março, quando o câmbio estava a R$ 4,64, sugerem que 3/4 do efeito deveu-se à elevação da percepção de risco doméstico.

Nas últimas semanas, houve piora no ambiente político. No dia 19 de fevereiro, veio a público a fala do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, atacando o Congresso. Na terça-feira de Carnaval, o presidente, em uma mídia pessoal, passa adiante vídeo chamando as pessoas para uma manifestação contra o Congresso.

A dificuldade de diálogo entre o Executivo e o Legislativo pode afetar o ritmo das reformas econômicas, cujo atraso certamente afetará a retomada da economia.

Para piorar, a divulgação do desempenho da economia no quarto trimestre não foi positiva, houve surpresa negativa na construção civil, e a perspectiva do espalhamento do covid-19 no Brasil adiciona complexidade. Os movimentos da moeda parecem refletir o somatório desses fatores.

Assim, aparentemente, os ruídos da política começam a interferir nos movimentos da moeda doméstica.

Morreu o jornalista Celso Pinto, que nos deixou como legado o Valor Econômico. Celso Pinto estava havia muitos anos fora das Redações por motivo de saúde. Para um país pobre em inteligência, a perda precoce de um talento desse calibre foi muito custosa.

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