Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Imprimir dinheiro contra a crise?

A menos que abramos mão do controle inflacionário, não é possível monetizar o déficit

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No fim do ano a dívida pública será dez pontos percentuais do PIB maior do que se pensava antes de a pandemia desembarcar por aqui. A elevação será consequência do aumento do déficit público, fruto da redução da arrecadação que advém da queda da economia e da elevação do gasto público, necessária para enfrentar a pandemia.

Várias colegas têm defendido que haja a monetização do déficit público. Isto é, que o Banco Central emita moeda e envie-a diretamente ao Tesouro para o financiamento das políticas públicas recentemente adotadas.

Essa medida somente funcionará se abandonarmos o regime de metas de inflação. E, se o fizermos, ela não será necessária.

O Tesouro Nacional, por meio de seu agente, o BC, tem o monopólio da emissão de moeda no território nacional.

O grande bônus é que sempre que o setor privado precisa de mais moeda o BC pode emitir a custo zero e ganhar dinheiro. Esse poder de compra criado do nada é uma renda do Tesouro, único acionista do BC, chamada de senhoriagem.

Mas tudo na vida tem ônus. Como o BC é o monopolista na criação de moeda (sendo rigoroso de base monetária), ele é responsável por operar a política monetária.

O BC opera a política monetária fixando a taxa de juros vigente no mercado em que as condições de crédito são criadas. Trata-se do mercado do caixa dos grandes bancos. É o mercado em que um banco empresta para outro banco ou que bancos emprestam ao BC, ou vice-versa.

Esse mercado é chamado de mercado de reservas bancárias, ou, como preferem os americanos, mercado de moedas.

Se alguém fixa o preço de algo, esse alguém tem que comprar toda a quantidade que os demais agentes estão dispostos a vender àquele preço. Caso contrário, o preço do bem que foi fixado irá cair. Ou seja, não será fixo.

Assim, sempre que à taxa Selic fixada pelo Copom recursos sobrem no caixa dos bancos —sobrem pois os bancos assim escolheram—, o BC emite dívida cujo juro é dado pela Selic e recompra as reservas sobrantes.

Ou seja, o ônus do BC de ser o monopolista na criação de moeda é que o custo da liquidez do mercado de reservas em excesso ao que os bancos gostariam de ter, à taxa de juros fixada pelo Copom, é do BC. Em última instância, é do Tesouro.

Se o BC imprimir reservas e transferi-las ao Tesouro e este as gastar, elas retornarão aos bancos. Estes, à taxa Selic fixada pelo Copom, decidirão emprestá-las ao BC, que terá que remunerá-las à taxa Selic. Se o BC não comprar esse excesso de liquidez, fará com que a taxa do mercado de reservas bancárias fique abaixo da Selic, estimulando um processo inflacionário.

Ou seja, o BC imprimir moeda e transferi-la ao Tesouro poderia ser um equilíbrio monetário se, a partir do normal funcionamento do regime de metas de inflação, a taxa Selic caísse a zero. Pois nesse caso a taxa de juros fixada pelo Copom para o mercado de reservas bancárias é exatamente a taxa de juros da moeda.

Os bancos estarão indiferentes entre carregar no seu caixa reserva bancária ou dívida.

Mas, se a taxa de juros do mercado de reservas bancárias for zero, o Tesouro conseguirá emitir títulos de curto prazo a juro zero e se financiar sem custo.

O problema não é a falta de dinheiro. Dinheiro se cria. O problema é o custo das reservas bancárias.

Enquanto pela operação do regime de metas de inflação esse custo for positivo, não é possível monetizar o déficit. A menos que abramos mão do controle inflacionário.

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