Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

A volta do contrato social

A frase 'não podemos tirar do pobre para dar aos paupérrimos' define bem a situação

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Ao longo da campanha eleitoral de 2018, eram comuns vídeos em que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, na oportunidade o posto Ipiranga do candidato Jair Bolsonaro, palestrava, em geral para plateias do mercado financeiro.

Guedes apresentava sua interpretação do processo histórico brasileiro desde o período militar, enfatizando o longo consenso social democrático das administrações tucanas e petistas. Argumentava que o período legou baixíssimo crescimento e um Estado grande e caro.

Assim, defendia que chegara o momento para uma experiência liberal.

Os movimentos da semana passada indicam que Bolsonaro nota que sua eleição pode ter tido diversas motivações: cansaço com a política tradicional, agenda conservadora nos costumes, agenda do combate ao crime, entre outras.

Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes (Economia) durante cerimônia no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino - 1º.abr.2020/Reuters

Aparentemente, redução do Estado de bem-estar social, que de forma muito imperfeita e ineficiente temos construído desde a redemocratização, não está entre elas.

O contrato social da redemocratização —o desejo da sociedade de construir por aqui uma versão tropicalizada do Estado de bem-estar europeu continental— continua a ser a escolha preferida do eleitor mediano (aquele que vence a eleição).

A frase de Bolsonaro “não podemos tirar do pobre para dar aos paupérrimos”, que criticou esforço da equipe econômica em realocar recursos no interior da área assistencial para elevar o valor do benefício e a abrangência do programa Bolsa Família, define bem a situação.

Bolsonaro precisa encontrar de 1 a 1,5 ponto percentual de PIB para implantar um Bolsa Família turbinado que seja visto pelo eleitor como seu legado na área social. O auxílio emergencial, que custa 8,5% do PIB, seria trocado, já sem a pandemia, pelo Renda Brasil, o Bolsa Família turbinado de 1,5% a 2% do PIB. Essa troca poderia ser vista pelo eleitor como uma justa continuidade do auxílio emergencial em tempos livres de pandemia.

O problema é que um aumento de gasto dessa monta requer a superação de três difíceis obstáculos: Guedes aceitar um aumento de carga tributária; o Congresso aprovar uma PEC que exclua o Renda Brasil do teto dos gastos; e convencer o Congresso a entregar de 1% a 1,5% do PIB de arrecadação a mais, para Bolsonaro ser o novo pai dos pobres.

Pode surgir uma curiosa coalizão no Congresso Nacional da esquerda com a base de Bolsonaro para a aprovação desse pacote. Manter elevada a popularidade de Bolsonaro interessa à esquerda, que aposta em um segundo turno contra Bolsonaro.

É possível que o grande acordo envolva, além do aumento da carga tributária, algum mecanismo para acionar os gatilhos do teto do gasto. Do ponto de vista do funcionamento dos mercados, esse arranjo não seria visto como desancoragem da política fiscal. Afinal, dependendo do aumento da carga tributária e do gasto, pode até sobrar algum para melhorar um pouco o superávit primário.

Me parece que esse é o cenário que se delineia. Cenário construído com um olhar na popularidade do presidente e outro na projeção de como ela irá se comportar nos próximos dois anos (vem daí a necessidade de aumentar simultaneamente gasto e receita).

Gostemos ou não, a democracia vai funcionando.

Minha dúvida é se o aumento de carga tributária virá da forma mais usual —algum imposto (Cide ou CPMF) com base diluída, de difícil percepção— ou se a política escolherá algum grupo —por exemplo, distribuição de dividendos— para gravar.

O velho contrato social da redemocratização aparentemente volta à carga.​

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