Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Lava Jato entra para livros de história

Sem profundas alterações em nossas instituições, teremos reedições do petrolão

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O mais recente livro da jornalista Malu Gaspar, “A Organização: a Odebrecht e o Esquema de Corrupção que Chocou o Mundo”, conta em detalhes a evolução da empresa, desde os anos 1970 até o escândalo do petrolão, considerando sempre o ponto de vista da companhia.

Primeiro fato que ressalta é que houve muita corrupção. Não foi pouco. Os agentes públicos e executivos da empresa que foram para a cadeia tinham culpa no cartório.

Segundo fato é que o crime compensa. Como anotou Malu Gaspar à pág. 388, a Odebrecht “passara de um grupo de R$ 8,4 bilhões de faturamento e de 36,8 mil funcionários [em 2002] para um colosso de 168 mil empregados e receitas anuais de R$ 110 bilhões”.

É importante frisar que as empresas disputavam pelos contratos. Portanto, o ganho da Odebrecht foi de volume, e não na taxa de lucratividade. Boa parcela das rendas era apropriada pelos agentes públicos.

Ao ler o livro me fiz duas questões, e não tenho boas respostas para elas. A primeira é se o nível de corrupção que gerou o escândalo é da natureza do Estado brasileiro ou se houve alguma digital petista.

A impressão que eu tive é que qualquer grupo político que tocasse um plano de desenvolvimento liderado pelo setor público, dado o nosso desenho institucional, seguiria o mesmo caminho.

Os escândalos e o elevado nível de corrupção parecem derivar mais da opção do governo petista, de promover um capitalismo de Estado à moda dos tigres asiáticos do que de características do Partido dos Trabalhadores. As práticas não parecem distintas das de sempre. A corrupção elevada foi, me parece, efeito colateral da estratégia de desenvolvimento adotada.

Talvez essa conclusão não se aplique ao projeto de internacionalização da empresa. Houve casos de corrupção em inúmeros países: Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru, Venezuela, Angola e Moçambique. A parte internacional do petrolão é bem descrita no paper “Renegotiation and Corruption in Infrastructure: The Odebrecht case”, de Nicolás Campos e colaboradores.

A empresa, conjuntamente com o “envio” do financiamento do BNDES e do marqueteiro do partido, desempenhava função de promover um projeto de esquerda, algumas vezes autoritário, com o objetivo de contrabalançar o imperialismo “estadunidense”. Ou seja, uma agenda eminentemente política que atendia à ideologia da cúpula do PT.

A segunda questão que me fiz ao ler o livro de Malu Gaspar é se a corrupção afetava a qualidade técnica das obras ou se significava somente um sobrepreço pago pelo contribuinte.

A impressão que eu tenho é que a empresa construiu ao longo de décadas de operação uma boa reputação técnica. Por outro lado, os sinais, especialmente no Brasil, com os inúmeros atrasos e aditivos e, principalmente, obras inacabadas, parecem indicar que a qualidade do investimento caiu. Mas mesmo a descrição dos erros do programa nuclear no governo militar, cuja obra civil esteve a cargo da Odebrecht, não sugere um quadro muito diferente.

Finalmente, é difícil imaginar ser possível gerir uma empresa com padrões mínimos de qualidade técnica se os primeiros escalões quase que o tempo todo se dedicam a processar as complexas operações da corrupção.

O livro de Malu Gaspar representa enorme desafio para aqueles que acham que o único caminho para sairmos da armadilha da renda média —atoleiro em que nos metemos nos anos 1980 e do qual desde então não conseguimos sair— é por meio de um projeto bismarckiano de capitalismo de Estado.

Sem profundas alterações em nossas instituições, teremos somente reedições do petrolão sem grandes ganhos de desenvolvimento.

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