Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

EUA, separar o conjuntural do estrutural

Quanto maior o pacote fiscal, maior o temor de um aquecimento excessivo da economia

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A economia americana, como boa parte do hemisfério Norte, saiu da grande crise financeira global de 2008 com carência de demanda agregada. Mesmo com juros nominais nulos, o que significa juros reais levemente negativos, a recuperação do mercado de trabalho levou dez anos para se completar.

Segundo os próprios membros do comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed, banco central americano), a taxa real de juros que mantém a economia crescendo no seu potencial, o mercado de trabalho em pleno emprego e a inflação na meta, é hoje de 0,5%.

Essa situação de carência estrutural de demanda agregada é chamada de estagnação secular.
Recentemente, tem havido um bom debate entre os economistas sobre a oportunidade ou não de um pacote fiscal mais ambicioso. Fala-se de números de US$ 1,1 trilhão até US$ 1,9 trilhão, ou seja, entre 4% e 9% do PIB dos EUA.

Bandeira norte-americana em Nova York, Estados Unidos - Johannes Eisele/AFP

Cifras tão ambiciosas são possíveis após a vitória democrata na eleição de segundo turno, no início de janeiro, para escolher os dois senadores da Geórgia. Os democratas venceram, e o Senado está dividido perfeitamente: 50 senadores republicanos e 50 democratas (dois destes últimos são, na verdade, independentes, mas votam normalmente com os democratas). O voto de minerva é da vice-presidente, Kamala Harris, o que dá aos democratas uma maioria de um voto.

Depois de toda a frustração dos democratas com a recuperação a passos de cágado no governo Obama pós-crise financeira global, provavelmente a bancada do partido está mais disposta a correr o risco de exagerar para mais do que para menos.

Minha avaliação é que a crise econômica produzida pela epidemia é de uma natureza distinta de crises derivadas do mau funcionamento do mercado de crédito, como, por exemplo, a de 2008-2009.

A crise atual é fruto de um choque totalmente exógeno ao funcionamento da economia. A recomposição do tecido econômico ocorrerá em seguida a uma solução mais definitiva do problema de saúde pública.

De fato, tanto lá como cá, no Brasil, houve no segundo semestre uma recuperação em “V” dos setores que não são afetados diretamente pelo distanciamento social. Com a vacinação, as economias retornarão à trajetória que percorriam antes da epidemia. A China, que lidou bem com o vírus, já roda ligeiramente acima dessa trajetória.

O ritmo da recuperação das economias dependerá da velocidade da vacinação.

Assim, diversas casas do mercado financeiro projetam que o crescimento da economia americana será em 2021 de 6,5% e, no quarto trimestre de 2021, estará 7,5% acima da posição do 4º trimestre de 2020, o que significa 4,8% acima da posição do 4º trimestre de 2019.

Sob a hipótese de que o crescimento potencial da economia americana é de 1,7% ao ano ou 3,4% em dois anos, a ociosidade se reduzirá, entre o quarto trimestre de 2019 e de 2021, em 1,4 ponto percentual (4,8-3,4).

Se a economia estava a pleno emprego, ou próximo, antes da epidemia, estará igualmente a pleno emprego no fim deste ano. Quanto maior for o pacote fiscal, maior será o temor de um aquecimento excessivo da economia. Essa foi a posição recentemente defendida pelo economista e ex-chefe da assessoria econômica do presidente Obama e ex-secretário do Tesouro da administração Clinton, Larry Summers.

O temor é maior pois, com a vacinação, o efeito do pacote fiscal de estímulo à demanda deve aumentar. Um pacote de 10% do PIB, para um multiplicador fiscal de 1,5, significa um impulso fiscal de 15 pontos do PIB, certamente muito maior do que a ociosidade hoje.

Evidentemente na epidemia o multiplicador é menor. Mas certamente não é nulo.

O equilíbrio estrutural com carência de demanda agregada e estagnação secular não significa que a economia suporta sem inflação qualquer impulso de demanda. Em 2021, os limites da economia americana serão testados.​

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