Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Surpresa positiva no endividamento

Uma combinação de choques e escolhas de política reduziu a dívida pública

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Em meados do ano passado, havia diversas previsões de que a dívida bruta atingiria 100% do PIB. O Ibre, em junho de 2020, considerava que a dívida iria fechar 2021 em 93,5% do PIB. Hoje esse número foi revisto para 84%. Houve, portanto, uma surpresa positiva de 9,5 pontos percentuais do PIB na dívida pública nos últimos 12 meses.

A surpresa foi causada pela revisão da atividade econômica em termos nominais. Ou seja, não erramos no valor da dívida, o numerador da razão, mas sim no valor do PIB, o denominador. O crescimento do PIB nominal foi muito maior, pois tanto a inflação do PIB quanto o crescimento real foram maiores.

No biênio 2020 e 2021, o crescimento real será 4,5 pontos percentuais maior do que imaginávamos, e a inflação do PIB, conhecida por deflator implícito do PIB, será dez pontos percentuais superior ao que pensávamos (também para o biênio). Refiro-me às previsões que tínhamos em junho de 2020.

Mais crescimento e mais inflação explicam a fortíssima reavaliação para melhor do endividamento do setor público. A fotografia da solvência do setor público está 9,5 pontos percentuais do PIB melhor do que imaginávamos. Não é pouca coisa.

A surpresa do crescimento originou-se em uma menor sensibilidade da economia às novas ondas da epidemia. Após o choque fortíssimo no segundo trimestre de 2020, a economia aprendeu a conviver com a epidemia, e os impactos sobre a atividade das novas ondas foram bem menores. (Deve ocorrer o mesmo com a 3º onda que se avizinha com o espalhamento da cepa delta por aqui)

Como elaborei neste espaço em 8 de maio, a surpresa para cima na inflação foi fruto de diversos choques de preços das matérias-primas. Consequentemente, os preços ao produtor correram acima dos preços ao consumidor, e estes correm bem acima da meta inflacionária.

Porém, além dos choques, houve a particular reação da política econômica a esses eventos. O BC se absteve de intervir mais pesadamente no mercado de câmbio quando houve a forte desvalorização da moeda com a chegada da epidemia por aqui. Entre meados de janeiro de 2020 e meados de maio, o câmbio saiu de R$ 4,1 para R$ 5,9, desvalorização de 44%.

O BC continuou a não suavizar os movimentos do câmbio. É fato que, no segundo trimestre de 2021, após aprovação da lei orçamentária para 2021, extensão do auxílio emergencial, aprovação da PEC Emergencial e a sustentação do teto dos gastos, houve descompressão do câmbio, que voltou a rodar em torno de R$ 5,1 a R$ 5,2.

No entanto, mesmo a cotação atual do real mais valorizado encontra-se muito distante de qualquer medida de equilíbrio de longo prazo. O motivo é que, no primeiro semestre, tivemos choque adicional de commodities que elevou muito os termos de troca do Brasil em comparação aos dos nossos parceiros comerciais. Se consideramos somente os termos de troca, o câmbio deveria rodar em torno de R$ 3,3.

Aparentemente, o BC, ao não interferir mais pesadamente no mercado de câmbio, interpreta que o enfraquecimento da moeda está associado à maior percepção de risco fiscal. Não seria atribuição das reservas, segundo esse entendimento do BC, amortecer movimentos do real produzidos por esse tipo de percepção de risco.

Independentemente de qualquer juízo, é fato que, ao não amortecer os movimentos da moeda, internalizamos uma fortíssima pressão inflacionária produzida pela elevação dos preços das commodities.

No fim das contas, parte da inflação que gerou a surpresa positiva no endividamento foi produzida por uma decisão de política econômica.

Podemos dizer que a queda não esperada do valor real da dívida pública teria sido a contribuição dos rentistas para o esforço fiscal no enfrentamento pelo Estado brasileiro dos trágicos impactos da epidemia.

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