Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Edmar Bacha, a passagem do tempo

Sem aprendizados, não teríamos construído o Plano Real

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Edmar Bacha é um dos principais economistas brasileiros, dos primeiros com doutorado nos EUA, professor, pesquisador com larga publicação no Brasil e no exterior, além de formulador de política econômica, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou recentemente "No País dos Contrastes - Memórias da Infância até o Plano Real", pela História Real, selo da editora Intrínseca.

Não se trata de memória detalhada de uma vida. O livro é curto e apresenta os momentos que, aos olhos do Bacha de hoje, aos 79 anos, são os mais marcantes.

Li com grande prazer. Dei muita risada. Há de tudo, mas principalmente a exposição de momentos importantes de nossa história por quem estava lá fazendo.

Edmar Bacha ao receber a espada de imortal da Academia Brasileira de Letras - Ricardo Borges - 7.abr.17/Folhapress

Três são os trechos para mim mais marcantes. Primeiro, as cartas que escreveu para sua mãe, Maria de Jesus Lisboa Bacha, quando estava cursando o mestrado e doutorado em Yale. Segundo, a sua passagem
como presidente do IBGE no governo Sarney e os aprendizados com o Plano Cruzado.

E, em terceiro, a descrição de sua evolução intelectual. Há ainda a sua participação no Plano Real e um capítulo final com a apresentação resumida de sua contribuição científica.

Nas cartas de Yale, o jovem Bacha aparece como ótimo observador. Nota, no início dos anos 1960, que o racismo lá não é tão diferente do de cá.

Não entra na esparrela, tão comum à época, de que as relações familiares por lá são mais frias. E, discordando do mestre Furtado, que passou um período em Yale, já enxergava em 1965 a recuperação
cíclica da economia brasileira.

Em maio de 1985, assume a presidência do IBGE e participa do Plano Cruzado. De sua passagem pelo IBGE ficou marcada a enorme pressão política para o preenchimento de cargos, principalmente os delegados do IBGE nos estados.

Para atender as demandas, se necessário, criou a regra de que somente seriam indicados técnicos de carreira. A impressão com que ficamos é que, aos trancos e barrancos, dos anos 1980 até hoje aumentou a profissionalização do Estado.

Quanto ao Plano Cruzado, aparece o melhor lado de Bacha. A arte da passagem do tempo. De estar atento e aberto. Bacha aprende com a vida. Não é comum. Sem aprendizados, não teríamos construído o Plano Real.

Houve muito aprendizado de Bacha. Primeiro, "não se pode misturar plano de estabilização com distribuição de renda". A própria estabilização, com o fim do imposto inflacionário, é o ganho de renda
do trabalhador. Em segundo, que, apesar de a inércia ser o maior problema em estabilização de inflação de muitos dígitos, não se pode descuidar da política macroeconômica, fiscal e monetária. "Passei a ter
uma consciência clara dos limites da intervenção do governo na economia", escreveu.

A passagem no governo também fez Bacha rever o desenvolvimentismo. "Constatei que dele derivavam os males do estatismo, do protecionismo e do inflacionismo. Vi na prática tratar-se não de desenvolvimento econômico, mas de defesa de interesses corporativos."

Apresenta seu distanciamento teórico de um programa de pesquisa exclusivamente latino-americano. Lembra a dificuldade para a academia, principalmente na América Latina em tempos de inúmeras ditaduras militares de direita, da absorção da contribuição de Milton Friedman.

A macroeconomia moderna, aquela dos anos 1990 em diante, com seus mercados imperfeitos, moeda endógena, preços viscosos etc., "deu guarida a temas relevantes para meu modo de pensar a macroeconomia".

Leitura deliciosa para um verão e imprescindível para qualquer estudante de economia. No período de formação, é uma experiência única acompanhar a vida profissional de um dos líderes da profissão.

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