Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa
Descrição de chapéu inflação juros

Fed acelera alta de juros

Inércia na inflação americana sugere que o cenário de pouso suave virou ficção

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Na quarta-feira (4) da semana passada, o comitê de política monetária do Federal Reserve (ou Fed), o banco central americano, anunciou subida da taxa de juros —a taxa fed funds (FF), a Selic deles— do intervalo de 0,25% a 0,5% para a faixa de 0,75% a 1%.

Na entrevista coletiva em seguida ao anúncio, a primeira presencial desde o início da epidemia, o presidente do Fed, Jerome Powell, deixou claro que provavelmente o ritmo de aumento de 0,5 ponto percentual se manterá ao menos nas próximas duas reuniões.

O mercado financeiro já espera que o FF suba até 3,3% em meados do próximo ano, e, me parece, terá que subir um pouco mais, até 4% aproximadamente, para trazer a inflação na meta.

O prédio do Fed (banco central americano), em Washington, DC - Jim Watson - 4.mai.2022/AFP

Como tenho tratado neste espaço desde o segundo semestre de 2020, a economia mundial tem sofrido seguidos choques desde o último trimestre de 2019. Temos que retroagir até a década de 1970 para encontrar um período com uma sequência comparável de choques.

Vale recordarmos a sequência recente. O primeiro choque foi o encarecimento das carnes, no fim de 2019, em razão da gripe africana, que reduziu o rebanho suíno chinês em 40%. Em 2020, o rebanho foi reconstituído em modernas granjas suínas alimentado com ração. De um ano para o outro, a demanda por soja e milho subiu uns 5%. O aumento de preço dos grãos encarece toda a cadeia produtiva de proteína animal: carnes, laticínios e ovos.

No mesmo ano de 2020, a recuperação em "V" da economia mundial gerou forte elevação da demanda por bens industriais. A produção de bens de consumo duráveis emprega intensamente: chips, energia, matérias-primas metálicas e comércio internacional. Apareceram uma intensa desorganização das cadeias produtivas e uma inflação de bens industrializados.

Neste ano, a expectativa era de reversão dos choques. Antes disso, veio a Guerra da Ucrânia, que adicionou mais combustível à inflação. A Ucrânia é uma grande produtora de grãos, e a Rússia, importante produtora de fertilizantes.

Ou seja, o mundo amarga um novo choque de oferta. O processo inflacionário segue seu curso. O IPCA nos EUA, chamado de CPI, roda a 8,5% ao ano. O Fed emprega o deflator do consumo (a inflação média dos bens de consumo do país) como índice de preços. Ele fechou a 6,6%, para uma meta inflacionária de 2%. Se excluirmos do deflator de consumo os itens que sofreram choques, energia e alimentação, ele roda a 5,2%, e os preços dos serviços sobem a 4,5%. Todos os dados valem para o mês de março.

Ou seja, o processo inflacionário americano já apresenta alguma persistência. Entrementes o mercado de trabalho se recupera e opera próximo do pleno emprego ou mesmo já a pleno emprego: hoje, para cada trabalhador desempregado, há quase duas vagas de empregos à procura de um trabalhador.

A diretoria do comitê de política monetária do Fed ainda considera possível um cenário de pouso suave. Em que os juros deflacionados pela expectativa de inflação nunca fiquem acima do juro neutro que vigora por lá, algo na casa de 0,5% real ao ano.

O cenário de pouso suave supõe que o Fed suba os juros até uns 2,5% e que a reversão dos choques traga a inflação "por gravidade" para a meta de 2%.

A inércia que já observamos na inflação americana sugere que o cenário de pouso suave virou ficção. Levará um tempo para que os diretores do Fed reconheçam, mas será necessário alguma contração monetária para trazer a inflação para 2%.

Resta-nos torcer para que o processo não requeira muito mais juros do que o mercado enxerga. A percepção de que a política monetária americana será mais contracionista explica a desvalorização das moedas ante o dólar nas últimas três semanas.

Por aqui, além de todos os choques que mencionei na coluna, tivemos o choque de energia elétrica em 2021. O Banco Central subiu a Selic, na semana passada, para 12,75% e fará mais um ajuste. Parece que seu objetivo, em seguida, será parar o ciclo de elevação dos juros. Não sei se conseguirá.

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