Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Queda de 10%, como?

Desemprego artificialmente baixo e maus investimentos explicam perda do PIB de 2014 a 2016

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Na coluna de 11 de junho, mostrei que a nossa grande crise, do segundo trimestre de 2014 até o quarto trimestre de 2016, acarretou perda permanente de 10% no nível da economia.

Essa perda é distinta daquela ocorrida na taxa de crescimento do produto potencial. Isto é, mesmo considerando que fatores exógenos —como o fim do boom das commodities ou a mudança do regime de chuvas— tenham reduzido o potencial de crescimento de nossa economia, houve perda adicional de 10%. Mais detalhes no Blog do Ibre.

No Blog do Ibre, o leitor Raul Santos, em comentário, fez indagação muito pertinente: "Qual seria o fundamento microeconômico para um efeito tão persistente decorrente da má alocação"?. Optei por lhe responder com esta coluna.

Funcionários em uma linha de montagem de caminhões na fábrica da Mercedes em São Bernardo do Campo, São Paulo - Eduardo Knapp - 8.jan.2021/Folhapress

Minha interpretação é que a perda permanente foi fruto do elevado nível de artificialidade que vigorava na economia em razão de política econômica errada desde o segundo mandato de Lula.

Em 2014, a taxa de desemprego estava três pontos percentuais abaixo da natural. Todo esse emprego foi alocado em atividades que não apresentavam rentabilidade privada suficientemente elevada para custear o trabalho nos termos contratados.

Também o investimento no período tinha um elevado grau de artificialidade. Explicando melhor, o setor público e o setor privado geraram por anos crédito para investimentos em atividade que maturaram mal. O investimento entra no PIB. Como eles maturaram mal, não geraram caixa. No final do ciclo, as empresas tinham dívida, mas não tinham produção. Evidentemente, o investimento teve que despencar, pois um novo ciclo de investimento teria que se sustentar no retorno gerado pelo ciclo anterior.

Para impedir a queda do investimento, dado que o ciclo de investimento tinha dado errado, algumas condições seriam imprescindíveis: que houvesse projetos rentáveis (isto é, de boa qualidade) prontos para sustentar novo ciclo de crescimento; que houvesse instituições financeiras, públicas e privadas, internacionais e domésticas, com apetite e disponibilidade de caixa para financiá-los; e que o custo de capital de um novo ciclo de endividamento, numa sociedade que já estava muito endividada, que poupa pouco e na qual o custo de capital é historicamente um dos mais elevados do mundo, não subisse para níveis estratosféricos. Desnecessário dizer que essas condições não estavam dadas e que não estava ao alcance da política econômica construí-las.

Para termos uma ideia quantitativa da situação à época, a média das taxas de investimento no quadriênio de Dilma 1 foi de 22% do PIB. Somente a Petrobras respondia por pouco mais de dois pontos percentuais desse total. Tivemos os investimentos com recursos do Tesouro, como o programa MCMV, entre outros, além de todo o investimento na indústria naval e no Grupo X, de Eike Batista, dentre tantos outros que maturaram mal. Quando o custo de capital para o Tesouro subiu muito, esses programas tiveram que ser descontinuados.

Outros setores afetados por erros de política econômica foram o sucroalcooleiro e todo o automobilístico.

O primeiro porque ficou sem caixa para pagar suas dívidas em razão da perda de rentabilidade induzida pela política de preços da gasolina conduzida pela Petrobras à época; o setor automobilístico, por causa do esgotamento de uma política agressiva de compras subsidiadas de caminhões e investimento em novas fábricas, com a expectativa de que o mercado brasileiro rapidamente caminhasse para um consumo de 5 milhões de unidades/ano de automóveis.

Faz todo o sentido que 1/3 de tudo que se investia ao longo do primeiro mandato de Dilma tenha maturado mal e que, portanto, o investimento tivesse que cair muito.

Diria que esses dois fatores —taxa de desemprego artificialmente baixa e maus investimentos— explicam o problema microeconômico, isto é, de má alocação de recursos, que descrevem a queda permanente da atividade brasileira em 10% no triênio 2014 até 2016.

É em tese possível que parte da perda permanente tenha sido causada pelo fato de a política econômica posterior a 2016 ter sido muito contracionista e ter gerado carência de demanda agregada. Argumenta-se que o longo desemprego teria causado histerese —perda permanente de capacidade produtiva pela perda de capital humano específico. Esse argumento não me parece relevante do ponto de vista quantitativo, pois a perda de capital humano específico ocorre nos trabalhadores de maiores níveis de escolaridade. Não é o caso da força de trabalho no Brasil.

​Crescimento econômico não é um ato de vontade. Os incentivos e toda a institucionalidade precisam ser bem construídos para que um ciclo de investimento não se transforme somente em dívida e desperdício.

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