Sergio Firpo

Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper

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Formulação de políticas sociais e econômicas ainda usa pouca evidência cientifica

As evidências, quando existem, ou são escassas ou são frágeis metodologicamente, resultado de nossa baixa inserção na academia mundial

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Economia é a ciência social aplicada que desde sua origem tem sido mais influenciada pelas ciências exatas. Nela, padrões de comportamento social são derivados a partir da premissa de que os agentes econômicos (indivíduos, firmas, famílias) agem em seu máximo benefício próprio (ou no de seus próximos), mas sempre sujeitos às restrições impostas pela realidade.

Esses padrões de comportamento, como decisões de consumo e investimento, são, portanto, específicos ao contexto em que os agentes se encontram. Essa dependência do contexto faz com que seja imprescindível que as teorias econômicas sejam formuladas e testadas contra as evidências disponíveis.

É a refutabilidade das teorias que dá a elas a robustez necessária à presença de vieses em suas formulações. Crenças sobre o mundo moldam a forma como cientistas propõem suas teorias. Teorias, muitas das quais internamente consistentes, podem estar completamente equivocadas se partem de premissas inverossímeis. Sem sermos capazes de, a partir das evidências disponíveis, refutar as hipóteses formuladas, as teorias não se diferenciam muito de especulações metafísicas.

Cédulas de real São Paulo - Gabriel Cabral - 21.ago.2019/Folhapress

A influência das ciências exatas sobre a economia fez com que houvesse uma maior matematização nessa disciplina do que nas demais ciências sociais. Contudo, a matematização não é condição suficiente, nem necessária, para refutabilidade.

A matemática é uma linguagem, incrivelmente útil, que permite ao economista formular teorias que possam ser facilmente comunicadas entre pares, por meio de modelos econômicos. Contudo, muitas vezes ela esconde a fragilidade das premissas usadas na formulação desses modelos. Sem sermos capazes de testar suas premissas, ou de acessar sua plausibilidade, os resultados derivados dos modelos revelam-se frágeis.

Por outro lado, a hesitação de alguns economistas em adotar a matemática como linguagem acaba acirrando seu isolamento na comunidade acadêmica internacional. A ciência econômica não deixa de ser uma ciência social, dependente de contextos históricos e regionais, mesmo quando estruturada a partir de modelos matemáticos. Tampouco se torna ciência, só porque há matemática nela.

Tristemente, boa parte dos departamentos de economia no Brasil encontram-se nesses dois extremos. O nosso isolamento acadêmico afeta a capacidade de formularmos e testarmos hipóteses que sejam aderentes ao nosso contexto. Dado o tamanho do país e de nossos problemas econômicos e sociais, há relativamente pouca pesquisa empírica internacionalmente relevante sobre o Brasil.

A baixa internacionalização acadêmica impede que cientistas sociais aplicados, como economistas, influenciem decisivamente o debate sobre políticas sociais e econômicas no país.

Na maior parte das vezes, formuladores de políticas públicas não usam as evidências existentes para saber se as políticas propostas podem vir a ter o impacto esperado. E eles não necessariamente agem por má-fé ou ignorância. As evidências, quando existem, ou são escassas ou são frágeis metodologicamente, resultado de nossa baixa inserção na academia mundial.

Em outubro do ano passado, os economistas Joshua Angrist, David Card e Guido Imbens receberam o Nobel em Economia por suas contribuições metodológicas à avaliação de impacto das políticas públicas. Os três têm formulado e disseminado métodos estatisticamente sofisticados para se medir o efeito causal dessas políticas. Angrist é um crítico da complexidade de modelos econômicos exageradamente matematizados baseados em premissas não testáveis ou inverossímeis. Ele prega pela experimentação, quando possível, e pelo uso de métodos que permitam medir efeitos causais, ainda que esses efeitos não sejam universais e sejam dependentes do contexto.

Que o recente prêmio sirva de inspiração às novas gerações de cientistas econômicos e que sejamos capazes de usar a ciência para influenciar de maneira relevante a formulação de políticas públicas adequadas ao nosso contexto.

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência.

Sergio Firpo

Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper

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