Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Sobre laranjas e bananas

O pomar de palavras do português brasileiro sempre foi produtivo à beça

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É curioso que o sentido criminal da palavra "laranja", protagonista da primeira grande crise do governo Bolsonaro, instigue tanto a imaginação de etimologistas de fim de semana, que lhe atribuem as origens mais mirabolantes.

O pomar de palavras do português brasileiro sempre foi produtivo à beça, sem que jamais precisássemos recorrer a explicações tortuosas ou excessivamente pitorescas —como as que têm circulado na imprensa sobre os laranjas e que incluem até referências à guerra do Vietnã— para dar conta de usos que cresceram no quintal.

Pomar de laranja em Taiúva (SP) - Edson Silva/Folhapress

País mais rural que urbano até 1950, ou seja, anteontem em termos históricos, o Brasil tem em seu vocabulário uma rica salada de frutas de sentidos informais: laranjas, bananas, abacaxis, mamões, uvas.

A lógica da associação entre a acepção literal e a figurada pode ser mais ou menos evidente. Há casos em que o elo residirá em alguma anedota que foi parar no lixo da história --aquele para o qual varremos, por exemplo, o cidadão imortalizado na expressão "até aí morreu o Neves". Em outros casos a ligação será puramente expressiva, baseada numa graça que a gratuidade só acentua.

Vale recapitular: na primeira metade do século 20, "laranja" já aparecia em registros escritos na acepção hoje um tanto esquecida de "pessoa ingênua, bocó". A mesma que nas últimas décadas evoluiu para a de "indivíduo que, ingenuamente ou não, tem seu nome usado em fraudes financeiras".

O desdobramento é compreensível: os primeiros laranjas eram os típicos otários, pessoas que tinham seus nomes e CPFs envolvidos em crimes milionários à sua revelia. Mais tarde, esse sentido teve que se ampliar para dar conta de quem participa voluntariamente das fraudes em troca de algum ganho.

À parte o fato de ser recente, não há nada em todo esse processo que torne a história da palavra "laranja" marcadamente distinta da de "banana". Esta passou há muito mais tempo (inclusive em Portugal) por uma frutificação semântica na língua informal: ganhou na primeira metade do século 18 o sentido de "indivíduo covarde" e logo, por extensão, o de "pessoa fraca, sem iniciativa ou energia".

Seria difícil encontrar um cidadão brasileiro que não compreendesse de imediato o uso contido numa frase como esta: "É um banana que não consegue sequer impor sua autoridade ao próprio filho". No entanto, como e por que a palavra ganhou tal sentido? Associações com forma, consistência ou outra característica da fruta são livres.

Às vezes o elo é explícito. Em outro uso consagrado, "abacaxi" se tornou em algum momento do século passado um símbolo de trabalho difícil, problema grave ou situação intrincada. Como em "governar o Brasil é um tremendo abacaxi". A dificuldade de descascar o fruto encrespado e espinhento dispensa maiores elaborações.

O mamão é mais ambíguo. Tem há tempos a acepção pejorativa e já dicionarizada de "imbecil, palerma", mas também vem desfilando na língua das ruas o sentido mais recente de "tarefa de fácil execução, moleza", forma reduzida da expressão metafórica "mamão com açúcar". No primeiro caso, a associação entre sentido literal e sentido figurado é obscura; no segundo, claríssima.

Em qual das duas categorias devemos classificar a palavra "uva" quando ela tem a acepção —um tanto fora de moda, é verdade— que o dicionário "Houaiss" registra como "mulher muito bonita"? Desde quando uvas são modelos de beleza?

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