Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Quero uma palavra nova

Escritores propõem neologismos para enfrentar verborreia de Bolsonaro

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Semana passada falei do desgaste sofrido por adjetivos como “asqueroso” e “grotesco” diante da frequência com que o Presidente da República dá declarações que exigem ser qualificadas assim.

Terminei propondo sinônimos raros para adiar o esgotamento da linguagem: nauseoso, horrípilo e quizilento.

Muita gente pensou que eu tivesse inventado essas palavras, mas não foi o caso: garimpei as três no “Houaiss”.

No entanto, é evidente que, mantido o atual ritmo de agravamento da verborreia presidencial, o léxico logo será insuficiente.

A retórica da barbárie vencerá? É possível que sim, mas não necessariamente. Se uma das atribuições dos escritores é zelar pelo justo encaixe entre palavras e coisas, situações extremas de anemia vocabular podem fazê-los recorrer a uma arma secreta: o neologismo.

Neologismo —palavra nova, inventada— é um recurso infinito. Querem ver? “Mórtigo, brúmbio, escosso, bilinhento, vômil, peçoncôrnio, neféstilo, nojúnculo, cloástico, peidófilo.” Fernanda Torres não precisou de mais de dez minutos para conceber essas belezuras.

A mensagem privada que a autora de “Fim” me enviou na última quinta (1°), alarmada com o esgotamento linguístico previsto em minha coluna, exigia resposta à altura. Neologismo gera neologismo.

Retruquei: “Escombruloso, remelético, xonho, gosmorrúnculo, viborongo, pustulibundo, espanta-mulho, esfornedor de bóstola, górgulo, nucuz.” Em meia hora, tínhamos dobrado a lista de sinônimos de “repulsivo”.

Era pouco. Logo eu disparava convites a outros escritores para garantir que nunca ficaremos à míngua de palavras equivalentes a “ignominioso”. 

Antonio Prata, que vem tentando em vão mudar de assunto, foi o primeiro a responder: “Diminúnculo, tubértrico, metastofélico, mefistostático, mierdosta”. Empolgado, acrescentou: “Ainda veremos esse Bolsonaro piar na jarabiroca”.

Renato Terra engrossou o caldo: “Queirótico, diabundo, analtrofóbico, tripulsivo, todo-escroto”. A coisa estava indo bem, e eu ainda nem tinha recorrido a não colunistas da Folha. Hora de abrir o leque.
“Carniciliano, lambetrumpeiro, destruirento, fascisqueiro”, adiantou-se Paulo Scott, mesmo ocupado com o lançamento do romance “Marrom e Amarelo”. 

Acrescentou Leonardo Villa-Forte: “Anticéfalo, pistólatra, abrunto, cunhaz, trunlítico, tramoiético, pocilgono, histépodre, luciferôntico, vomíssuno, morxado”.

Alguns neologistas pediram anonimato. Uma escritora que já foi ameaçada de demissão por criticar Bolsonaro compareceu com “ascrachoso, depretífero, miliciondo, nojencéfalo, pavorível e senhumano”. Motivo semelhante alegou o tradutor que propôs “escrotibundo, hominhoso, patúfrio, mijérrimo, cagalhesco”.

Prolífico, o cronista Luiz Henrique Pellanda contribuiu com “putrecéfalo, flatófago, anemolento, jequitibundo, chorumentalista, arregolitoso, suga-sebo, rancorífico, furicocida, desmalmado, retróloquo, fecaficionado, falsicultor, borramínguas, jebólatra”.

O mesmo Pellanda lembrou que, no romance “Sargento Getúlio”, João Ubaldo Ribeiro prenunciou tudo isso ao fazer seu personagem declarar: “Perde a força os nomes quando eu lhe xingo e por isso vou inventar uma porção de nomes para lhe xingar...”.

E inventa coisas como “crazento da pustema”, “disfricumbado firigufico do azeite”, “carniculado da isburriguela”, “retrequelento do estrulambique”. Todas palavras excelentes. Quem quiser que invente outras.

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