Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Etimologia fake

Lendas que fazem da mitologia das palavras um campo fascinante

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Na semana passada falei dos etimologistas românticos, gente que aprecia tanto as palavras dotadas de origens curiosas que, julgando escasso o número de historinhas pitorescas da vida real, trata de inventar mais algumas.

Houve quem me pedisse exemplos, então vamos a eles. Convém ter em mente que as lendas etimológicas mencionadas aqui são só uma pequena amostra de um universo que aguarda estudos linguísticos mais sérios.

Não, coitado não tem nada a ver com coito. Veio do verbo arcaico “coitar”, derivado do latim vulgar “coctare”, atormentar. O coito é outra coisa, oriundo de “coire”, ir com —eufemismo sexual ainda vivo em nossa língua: “Ela vai com qualquer um”.

Desfazer esse mal-entendido tem sido mais difícil do que turbinar o PIB brasileiro. A ilação etimológica coito-coitado é fantasiosa, mas acreditar nela parece satisfazer algum anseio recôndito do público.

Algo a ver com o prazer adolescente de supor uma origem pornográfica maldita para um termo perfeitamente familiar e respeitável. Romantismo, pois é.

A produção de teses dos românticos pode não ter valor algum para a própria etimologia, mas para a mitologia das palavras é um campo de saber fascinante. 

Muito tempo antes —décadas, séculos— da pandemia de fake news políticas que o ambiente de contágio máximo das redes sociais propiciou, alguns desses caôs pseudoeruditos já circulavam com sucesso.

 

Claro que a diferença no potencial de estrago torna incomparáveis os dois tipos de mentira. Acreditar que vacinas provocam autismo é incomparavelmente mais grave do que engolir a lenda antiga que atribui o termo larápio, de origem obscura, a um certo L.A.R. Appius, juiz romano corrupto.

Diferentes as mentiras são, mas cascata é cascata. Em algum plano, não é impossível que a popularidade de uma crendice bobinha como a que situa a origem de forró no inglês “for all” tenha aberto caminho para o kit gay.

Ou a crendice não será tão bobinha assim? Haveria implicações, digamos, cívicas na subordinação do próprio nome de uma manifestação cultural tão brasileira ao inglês? Forró é forma reduzida de forrobodó, “baile popular”, termo de origem nebulosa nascido no século 19. 

Às vezes a lenda dá muita bandeira de ideológica. Como a história comprada por gente à beça, inclusive professores, de que a palavra aluno, de origem latina, queria a princípio dizer “sem luz” —motivo pelo qual deve ser evitada.

Trata-se de uma patranha que teria sido fácil evitar: bastaria ir ao dicionário. O latim “alumnus” carrega o sentido primeiro de criança de peito, e o de discípulo por extensão. Brotou do verbo “alere”, nutrir, alimentar.

Tem bastante mérito a visão pedagógica do aluno como alguém que, longe de ser um espaço vazio a ser preenchido pelo mestre, tem coisas a ensinar, além de aprender. Ninguém precisa pagar o mico de propagar um erro grosseiro para defender tal ideia.

Eu disse ali em cima que o romantismo etimológico não tem valor para a etimologia, mas cabe uma ressalva: em determinados casos, tem sim.

Um mal-entendido pode se incorporar a uma palavra de tal forma que acabe influindo em seu desenvolvimento. Chama-se a isso etimologia popular.

O caso clássico é o que transformou o francês antigo “forest” (do latim tardio “forestis”) em floresta. O romântico compareceu imaginando que a palavra para designar bosque ou mata tivesse algo a ver com “flor”. Não tinha, mas passou a ter.

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