Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Bolsonaro está sem crédito

O que significa o anúncio de Covid-19 do presidente gerar tanto ceticismo

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O presidente do Brasil goza de pouco crédito. Se alguém ainda alimentava dúvida sobre isso, teve a oportunidade de afogá-la nesta semana no denso lago nacional de ceticismo em que fez ondinhas o anúncio de que Jair Bolsonaro está com Covid-19.

Estará se fazendo de vítima? Criando (mais) uma manobra diversionista? Só vendendo cloroquina? Ou inventando uma justificativa para anticorpos contraídos – e negados – faz tempo, quando esticou a novela do mostra-não-mostra-o-exame além do limite do ridículo?

Só os bolsonaristas acometidos de formas mais graves da síndrome negariam que as especulações do parágrafo anterior se justificam à luz da ficha suja do presidente na negociação com os fatos.

O presidente Jair Bolsonaro anuncia que está com coronavírus
O presidente Jair Bolsonaro anuncia que está com coronavírus - Reuters TV

Diz muito sobre a profundidade do buraco em que o país se meteu a constatação de que um assunto tão grave, envolvendo a maior autoridade da nação, possa se embrulhar em tantas camadas de desconfiança.

O problema parece mais grave quando se leva em conta que a credibilidade é um daqueles patrimônios que podem ir para o brejo rapidamente, mas são sempre acumulados de forma vagarosa e gradual.

E talvez pareça mais grave ainda ao se levar em conta que o crédito é um valor cuja presença – ou, no caso, ausência – tem repercussões nas mais diversas esferas da vida, se infiltrando em tudo, como ensina a história da palavra.

Na linguagem comum, crédito virou sobretudo um termo do vocabulário econômico. É aquilo que se obtém – ou não se obtém – quando se deseja comprar alguma coisa a prazo ou quando se bate à porta de uma instituição financeira em busca de empréstimo.

Na dinâmica associativa que é um dos motores principais das línguas, crédito acabou por nomear, em sentido mais estrito ainda, o próprio valor adiantado ou emprestado numa operação do gênero. "Obteve um crédito de 5 mil reais", reza o exemplo trazido pelo Houaiss.

Essa predominância das acepções econômicas foi aos poucos, na língua do dia a dia, distanciando a palavra crédito de outras que sempre foram da sua turma: a confiança, a credibilidade, a crença.

Ter crédito é gozar de confiança, ideias que andam de mãos dadas há milênios. O termo do latim clássico "creditum", empréstimo, que no século 15 deu origem à nossa palavra, era derivado do verbo "credere", crer, confiar.

O que está na base dessa associação é óbvio: não se empresta nada a uma pessoa na qual não se confia. O parentesco fica mais claro quando consideramos o antônimo "descrédito", formado no próprio português e cerca de um século mais novo que seu antípoda.

Tendo sido poupado, sabe-se lá por quê, das acepções financeiras, o descrédito fez uma carreira de sucesso no vocabulário do drama e do dramalhão, como sinônimo de "má fama, desonra" (Houaiss). Cair no descrédito é o máximo da desmoralização.

Se repararmos bem nas palavras, faz todo o sentido. Acreditar em alguém é, ao pé da letra, lhe dar crédito. Para além do sentido financeiro, crédito é como chamamos o capital simbólico de quem merece nossa confiança, de quem acreditamos ter compromisso com a verdade.

"Ninguém jamais teve dúvida de que a verdade e a política mantêm uma relação bem ruim uma com a outra", escreveu Hannah Arendt num ensaio de 1967. Mesmo assim, parece claro que há um limite político para a perda de credibilidade.

Mesmo porque o sentido econômico do crédito extinto sempre dá um jeito de apresentar a conta, e nesse caso quem a paga é o país.

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