Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Da rede de pesca à rede social

Distraídos, caímos na armadilha que sempre esteve na cara da palavra

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A palavra rede já nasceu como nome de armadilha. O velho dicionário Saraiva ensina que o latim “rete” aparece em Cícero com o sentido de teia de aranha, mas logo se vê figurado em Lucrécio como “esparrela” (arapuca) e até mesmo, indo mais longe na rede da metáfora, “sedução”.

Quer dizer, o primeiro antepassado da rede já anunciava a cilada em que, dois milênios depois, o mundo cairia com as redes sociais. E nem assim estávamos preparados.

Acontece que a malha de fios atados uns aos outros para formar quadrados ou losangos vazados assumiu tantos sentidos ao longo da história que pode confundir mesmo. Muito eficiente na caça e na pesca, a rede acabou atirada sobre o mundo como uma palavra que pegava um pouco de tudo.

Logo estava nos protegendo de picadas de insetos, modelando penteados, salvando a vida de equilibristas sem sorte, transformada em leito entre duas árvores, estendida em quadras e campos esportivos onde houvesse uma bola. E isso ainda era o começo.

A rede enredou todo mundo num enredo tão bem enredado que, ali pelo século 19, tinha aprendido a se desprender do corpo para virar pura imagem de trama, pontos interconectados por estradas, rios, dutos, veias, intrigas, histórias, ideias.

O sentido que assumiu nas telecomunicações, “malha de estações retransmissoras de rádio” (e depois TV), tem como marco inicial o ano de 1914, quando nasce essa nova acepção da vetusta palavra inglesa “network”.

O século passado foi de muito trabalho para a rede, que passou a se referir a diversas formas de organização —das que congregam cadeias de lojas e agências bancárias às que se estruturam por interesse profissional, atuação política, amizade.

A julgar por aquilo que deram para apregoar certos gurus de RH, uma boa rede de contatos virou uma “vantagem competitiva” quem sabe até maior que uma educação de elite. De armadilha, a coisa foi se transformando em arma de libertação.

Aí vieram os computadores, com sua promessa de libertação definitiva. Foi nos anos 1960 que os cérebros humanos por trás dos então chamados “cérebros eletrônicos” começaram a sonhar com a organização daquelas máquinas em rede.

Herdaram a palavra do rádio e da televisão, mas acabaram parindo uma rede radicalmente distinta, não mais dedicada a propagar para uma massa de receptores a mensagem de poucos emissores.

A teia agora era feita de nódulos incontáveis de recepção e transmissão. Todos —em tese— em pé de igualdade. À medida que as redes se expandiam, ganhava circulação a palavra “internetwork”, algo como entre-redes, uma rede de redes.

Daí para a internet, termo dos anos 1980, foi só encurtar a palavra e esticar a malha para cobrir o mundo inteiro. O resto é aquilo que se sabe: a revolução digital e seu fruto mais doce, a rede social.

Parecia maravilhosa a ideia de dar voz a cada ser humano comum, dinamitando toda hierarquia discursiva, não parecia? Nada mais democrático —o que poderia dar errado?

Bom, é só ler Patrícia Campos Mello, autora do recém-lançado “A Máquina do Ódio” (Companhia das Letras). Ou Jaron Lanier, de “Dez Argumentos para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais” (Intrínseca). Ou apenas olhar em volta.

Para resumir a roubada: sem redes sociais, aberrações políticas de alto poder de destruição como Trump e Bolsonaro não existiriam. Acho que Lucrécio estava tentando nos dizer alguma coisa com aquele papo de esparrela.

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