Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Como o jabuti foi parar no galho

O que faz um animal tão nobre no vocabulário da esperteza política

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Os jabutis são animais dóceis, mas o tipo metafórico que infestou a medida provisória da privatização da Eletrobras, aprovada na Câmara na segunda-feira (21), é conhecido pela voracidade.

A acepção de jabuti que está em alta na imprensa é a de “emenda parlamentar (frequentemente marota) que não constava da proposta original e que não tem relação com sua finalidade”.

Trata-se de um termo do politiquês – do parlamentarês, para sermos precisos – que vem ganhando a linguagem geral. É bom que ganhe, pois entidades do setor elétrico calculam que os jabutis da Eletrobras possam ter um custo de até R$ 84 bilhões. Voracidade é pouco.

Gabriel Cabral - 8.jun/Folhapress

Pobre quelônio. Ao longo dos primeiros séculos da história do Brasil, esse simpático nativo da América do Sul – um bicho tranquilo que come de tudo, mas aprecia mesmo uma dieta vegetariana – foi muito mais comido do que comeu.

Em 1654, o padre Antônio Vieira, que não dispensava um jabutizinho assado ou cozido com aipim, referiu-se ao animal em uma de suas cartas como “sustento muito geral em todas estas partes”. Houve até uma polêmica animada que atravessou parte de nossa história colonial, envolvendo diversos religiosos, sobre o jabuti poder ser considerado um peixe ou não. Isso mesmo, peixe. E olha que o bicho, parente da tartaruga mas bem diferente dela, jamais gostou de água.

Menos do que zoológica ou teológica, a controvérsia era culinária. Quem classificava o jabuti como peixe se sentia autorizado a comê-lo em dias santos. Em outras palavras, a ignorância talvez fosse menor que a hipocrisia – e o apetite.

O nome tem origem tupi e foi registrado como “jabotim” pelo poeta Gonçalves Dias (1823-1864) em seu “Dicionário da Língua Tupi”. Com uma grafia ou outra, o jabuti acabou por se tornar uma marca da brasilidade.

“O jabuti para os índios do Amazonas é o símbolo da gravidade, prudência e sabedoria”, escreveu José de Alencar em 1874. E Mário de Andrade fez dele, em seu romance “Macunaíma”, de 1928, nada menos que um deus: “No princípio era só o Jaboti Grande que existia na vida”.

A migração de um bicho tão nobre para o vocabulário da esperteza política parece ter se dado em duas etapas. Primeiro começou a circular o ditado segundo o qual, como jabuti não sobe em árvore, se ele está lá em cima “ou foi enchente ou mão de gente”.

Entre os políticos que consagraram a pérola, o mais famoso é Ulysses Guimarães (1916-1992). Parece não ter sido o primeiro. O deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI), memória viva do Congresso, conta que a primazia coube a Vitorino Freire, senador pelo Maranhão de 1947 a 1971 e adversário de José Sarney.

“Meu filho, se você vai por um atalho e vê um jabuti em cima de uma forquilha, não bole nele. Pergunta primeiro quem o botou lá”, Freire foi documentado dizendo no dia 12 de dezembro de 1968 – véspera do AI-5.

Como se vê, o jabuti já estava aboletado na árvore brasiliense quando, após a criação das medidas provisórias pela Constituição de 1988, passou a circular com o sentido atual de emenda parlamentar contrabandeada.

É assim que aparece nas lembranças de outro político memorioso, o deputado federal Benito Gama (PTB-BA), que deixo registradas aqui para uso de estudiosos futuros.

Convém acrescentar que nunca conversei com Fortes ou Gama. Quem botou gentilmente o jabuti nesta forquilha foi a amiga Julia Duailibi, jornalista que sabe tudo do Congresso, a quem sou muito grato.

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