Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Sobre o paraíso de Paulo Guedes

Tradução ruim de 'tax haven' é provável, mas caso pode ser mais complexo

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Paira um pequeno mistério linguístico sobre a expressão “paraíso fiscal”, nome informal que se dá no vocabulário econômico a localidades submetidas a legislações bancárias especiais –como aquelas Ilhas Virgens Britânicas onde o ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, têm seus milhões de dólares, segundo o consórcio internacional dos Pandora Papers.

É comum considerar paraíso fiscal uma tradução errada da expressão inglesa “tax haven”. Vertida corretamente, esta daria em refúgio (ou porto seguro) fiscal. Só que “haven” é uma palavra tão parecida com “heaven” (paraíso), que por sua vez é tão mais popular, não é mesmo?

A tese de uma batatada tradutória soa plausível, mas temos motivos para encará-la com cautela. O primeiro deles é o sucesso internacional superior de “paraíso fiscal”.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, e Paulo Guedes, ministro da Economia, durante cerimônia em Brasília - Ueslei Marcelino - 22.jun.2021/Reuters

O português tem a companhia de uma penca de línguas europeias no suposto erro, entre elas o alemão (Steuerparadies), o francês (paradis fiscal) e o italiano (paradiso fiscale) –e ainda nem mencionei o espanhol, de grafia idêntica à nossa.

O sucesso da expressão tem lastro na adequação da metáfora paradisíaca a alguns dos países ou territórios onde se adotam regimes fiscais privilegiados. Muitos são ilhas e têm seus atrativos turísticos, embora isso não seja obrigatório.

Aliás, vem daí também o termo “offshore” –longe da costa–, cujo sentido não demorou a ser ampliado para incluir territórios bem encravados dentro de continentes.

Nada disso nos autoriza a descartar a hipótese de um mal-entendido original na tradução de uma expressão da língua inglesa –há erros que enganam muita gente, como prova o próprio Guedes. No entanto, ganha força a tese de uma adaptação criativa, e de todo modo os cálculos da balança comercial de cultura em torno da expressão se complicam.

Não há dúvida de que o inglês é a língua hegemônica do nosso tempo, o latim contemporâneo, mas nessa parece ter ficado meio isolado. Tanto que não se manteve imune à imagem edênica, passando também a usar “fiscal paradise” como alternativa –minoritária– a “tax haven”.

Afinal, foi a partir da ideia de um céu fiscalmente fofinho, onde os investidores atingiriam o nirvana financeiro, que se chegou por oposiçao à de “tax hell” –inferno fiscal, lugar em que prevalece um regime de impostos muito elevados, dedicado a cozinhar o contribuinte em caldeiras ferventes.

No mais, resta a possibilidade –talvez pequena, mas não desprezível– de que o francês “paradis fiscal” seja anterior a “tax haven”.

Pesquisas sobre a história dessas expressões situam seus primeiros usos em torno de meados do século passado, com popularização a partir dos anos 1970. No entanto, o pioneirismo nunca foi estabelecido de forma pacífica.

Por falar em pioneirismo: ao contrário do que afirmei na semana passada, não fui o primeiro a usar a expressão “bananalidade do mal”, versão chanchadesca da “banalidade do mal” cunhada pela filósofa alemã Hannah Arendt.

O tuíte em que primeiro usei a expressão, de 2018, tinha sido precedido em quatro anos por aquele em que o poeta André Vallias capturava o trocadilho –e ainda o atribuía a uma certa Banannah Arendt.

Até prova em contrário, portanto, Vallias é o pioneiro. Fica o registro para o caso de algum historiador futuro se interessar pela história desse pun.

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