Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Imperialismo com estrogonofe

Nossas palavras importadas do russo são tão escassas quanto interessantes

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Será que a Rússia é imperialista? No momento em que Vladimir Putin estupra a Ucrânia com seus tanques e mísseis, a pergunta pode soar absurda —e é. Mas não mais do que o questionamento "de esquerda" que o vizinho Celso Rocha de Barros recebeu repetidas vezes (devem ter ficado orgulhosos da formulação) depois de condenar o imperialismo russo em sua coluna.

"Qual imperialismo russo, camarada? Quantos filmes russos, ou séries, você assistiu ultimamente? Qual refrigerante russo você bebe e qual tênis russo você usa? Já comeu fast food russo? Aliás, falando em fast food, quantos termos russos você usa?"

Termos russos! E assim, pelas vias tortíssimas de uma visão de mundo que usa um sentido expandido de imperialismo (o cultural) para negar uma acepção anterior e básica (o imperialismo territorial, militar), chegamos aonde o colunista queria: palavras.

Estrogonofe é um nome de prato que homenageia uma família de magnatas russos, os Stroganov
Estrogonofe é um nome de prato que homenageia uma família de magnatas russos, os Stroganov - Marcio Shaffer - 8.abr.21/Divulgação

A contribuição do russo ao nosso vocabulário é modesta mesmo. Estranho seria se não fosse, considerada a distância geográfica e histórica entre as duas culturas (nunca houve imperialista que conseguisse engolir o planeta inteiro). Mesmo assim, tem suas curiosidades.

Vodca é, de longe, a palavra de origem russa de maior sucesso no português brasileiro dos últimos tempos. O Houaiss garante que só estreou entre nós em dezembro de 1947, quando as cinzas da Segunda Guerra mal tinham esfriado na Europa, num texto da Folha. No russo, "vodka" é um diminutivo carinhoso de "voda", água. Sendo do tipo que passarinho não bebe, seu êxito dispensa explicações.

Não precisamos sair do ramo de bares e restaurantes para encontrar a palavra vice-campeã — estrogonofe, registrada pela primeira vez na língua portuguesa em 1932. Há alguma controvérsia em torno da origem da receita, mas é pacífico que o nome do prato homenageia uma família de magnatas russos, os Stroganov.

Há quem seja mais preciso e mencione como alvo da honraria um diplomata, o conde Pavel Stroganov (1774-1817), uma espécie de precursor de Oswaldo Aranha. Seja como for, tudo indica que a palavra nos chegou após uma tabelinha com o inglês, onde desembarcara como "stroganoff" (transliteração francesa). O resto —adaptação de grafia e de ingredientes— é história.

Descendo mais um degrau na tabela de classificação encontramos o fuzil AK-47, produto russo que a criminosa política bolsonara pró-armas ajuda a consagrar. Como não estamos tratando de marcas registradas, convém deixá-lo de lado.

O que se segue é uma salada russa de termos menos votados: tsar (grafia que os dicionários recomendam em vez de czar), mamute, cossaco, dacha, matriosca e mais meia dúzia. Nesse bolo, algumas relíquias da Guerra Fria chamam a atenção.

Vodca é a palavra de origem russa mais utilizada pelo brasileiros nos últimos tempos
Vodca é a palavra de origem russa mais utilizada pelo brasileiros nos últimos tempos - Max Andrew/Adobe Stock

Cosmonauta, por exemplo. Essa bonita palavra, dicionarizada como sinônimo menos usado de astronauta, tende a soar vazia de história para o falante de hoje. No contexto da corrida espacial, cosmonauta era o astronauta soviético; astronauta, o cosmonauta americano.

É natural que a memória da URSS desbote no século 21, e com ela palavras como "gulag", que chegou a ensaiar uma carreira como substantivo genérico para designar qualquer campo de trabalhos forçados, e "apparatchik", termo pejorativo para burocrata do Estado soviético.

Mesmo vocábulos que se popularizaram na fase final do regime, como "glasnost" (transparência) e "perestroika" (reconstrução), vão virando relíquias. Hoje a cara do imperialismo russo é outra.

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