Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa

Amor e sexo na era do Tinder

Quatro em cada dez casais se conheceram pela internet

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“Moreno alto, bonito e sensual. Talvez eu seja a solução para o seu problema. Carinhoso. Bom nível social...” 

Se você cantarolou, certamente tem mais de 40 anos. E talvez se lembre do clipe do “Herva Doce”, que foi ao ar no “Fantástico” (TV Globo), nos idos de 1985.

No vídeo, a mulher busca companhia usando um telefone daqueles fixos, brancos, meio quadrados, com aquelas teclas que a gente tinha que apertar até o final. A TV que aparece na cena é de tubo —9 polegadas de tela por uns 40 centímetros de profundidade. Do outro lado da linha o rapaz marombado explica que “o endereço para a comunicação...é a caixa postal do amante profissional”. 

Tudo isso —ou quase tudo— ficou para trás. As TVs já chegam a 370 polegadas e têm menos de 0,5 centímetros de espessura. A rede brasileira de linhas fixas encolheu em 3 milhões de unidades no último ano. E telefone, hoje, é sinônimo de celular.

Caixa postal? Só se for aquela alugada nos Estados Unidos para receber as compras feitas pela internet (claro, eu sei que você não conhece ninguém que use essa estratégia). 

O que não mudou foi a nossa eterna busca pelo outro. Mas a forma como ela se dá passou por uma verdadeira revolução.

A maioria dos casais que se conheceu entre o final da Segunda Guerra (1945) e o ano de 2013 —portanto, por mais de seis décadas— diz ter sido apresentada por amigos em comum. 

Os familiares, que ocupavam o segundo lugar na mediação desses encontros amorosos até os anos 70, perderam gradualmente o posto para os esbarrões casuais em bares, restaurantes, no trabalho e na faculdade. 

O convívio na igreja ou na vizinhança, que chegou a aproximar mais de 10% dos casais formados nos anos 40, praticamente desapareceu do mapa depois de 2010. 

E a internet —eis a transformação—, que não era citada como forma de encontro por nenhum casal que se conheceu antes de 1995, aparece como cupido de 22% dos parceiros em 2009 e salta para 39% entre os casais heterossexuais em 2017, índice que chega a 65% entre os homossexuais.

Aplicativo Tinder em celular; ao fundo, olho humano
Internet hoje é a forma mais popular de conseguir um encontro - Mike Blake/Reuters

Portanto, gostemos ou não, a rede e seus inúmeros aplicativos de paquera são hoje a forma mais popular de começar um encontro amoroso entre pessoas com mais de 18 anos —pelo menos nos Estados Unidos.

Os dados são do maior pesquisador do assunto, o sociólogo Michael Rosenfeld, da Universidade de Stanford, na Califórnia, que há mais de uma década conduz o HCMST (How Couples Meet and Stay Together —em português, Como os casais se encontram e permanecem juntos). 

O estudo de Rosenfeld ouviu 5.421 casais e foi submetido no último dia 15 à PNAS (a revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos). Ainda não foi publicado, mas já pode ser lido no site da universidade. 

Se a hegemonia da internet na mediação das relações amorosas é, por si, uma das maiores mudanças de comportamento das últimas décadas, ela traz nas entrelinhas uma segunda transformação nessa nossa forma de procurar sexo, romance, companhia ou seja lá o que for.

“A pesquisa sobre o impacto da tecnologia nas relações sociais sempre indicou que ela tende mais a alterar a eficiência das interações do que exatamente mudar quem interage com quem”, escreve Rosenfeld, citando estudos anteriores. “A ampla disseminação de telefones fixos nos EUA no início do século 20 tornou mais fácil para os norte-americanos manter contato com parentes de fora da cidade, mas ela não mudou quem interagia com quem. A maioria das ligações telefônicas seguiu sendo feita para pessoas que já se conhecia.”

Pois a internet passou com um rolo compressor sobre quase todas as projeções dos teóricos da comunicação. No levantamento de Rosenfeld, 89% dos casais que se conheceram online afirmam que não tinham amigos em comum na rede, não estavam no mesmo círculo de conhecidos digitais nem foram apresentados por ninguém na própria internet. Eram absolutamente estranhos um para o outro.

Parece, definitivamente, que a mediação dos amigos e da família deixou de ser importante nas relações amorosas. Por quê? Rosenfeld e sua equipe têm muitas teorias. 

Gráfico
Reprodução

Talvez estejamos em busca de um número maior de opções do que as que nos oferecem as magras redes sociais de nossos conhecidos. Talvez seja mais rápido e certeiro confiar no algoritmo de análise de dados de uma máquina do que no palpite daquele primo distante sobre quem combina com quem. Talvez a gente prefira parceiros que possam ser bloqueados e descartados com mais facilidade. Talvez o que a gente não queira mesmo é dividir com parentes e amigos nossos desejos, buscas e preferências sexuais. Talvez seja tudo isso junto e misturado.

“Amor sem preconceito, sigilo total...” O refrão da música do “Herva Doce” tem mais de 30 anos, mas nada parece mais atual. 

O próximo passo é saber que consequências terá essa mudança de hábito. E até quando a máquina fará uma ponte para o real ou quando vamos nos contentar com tudo online mesmo... até os encontros.

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