Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa

Como a internet pode estar transformando nosso cérebro

Segundo um estudo, quem não sai da internet faz muitas coisas, mas não se fixa a nada

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Acordei há alguns dias com quatro coisas na cabeça: queria desejar feliz aniversário a uma amiga, não podia esquecer de pagar uma conta, precisava consultar a bula de um remédio e assistir a um trecho de um documentário antes de dar uma aula.

Menos de uma hora depois, todas as tarefas estavam cumpridas. E eu ainda estava na cama. O milagre se chama internet.

Não há dúvida de que a rede revolucionou a nossa forma de fazer quase tudo, da busca por informações à maneira como nos relacionamos uns com os outros. Mas há índicios de que o impacto dela nas nossas vidas seja bem maior do que esse.

Pesquisadores de nove universidades, entre elas as respeitadas Oxford e Harvard, decidiram avaliar o que já se sabe com alguma consistência acerca do impacto da internet sobre nossa cognição —o processo de aquisição, armazenamento e interpretação dos estímulos e das informações.

A conclusão é, no mínimo, um alerta: a rede parece estar mudando a estrutura anatômica e o funcionamento do nosso cérebro. E isso estaria acontecendo, principalmente, nas regiões associadas à atenção, à memória e às habilidades sociais.

Pintura de Alvaro Seixas de 2017
Pintura de Alvaro Seixas de 2017 - Divulgação
 

As primeiras pistas sobre essas mudanças, segundo a análise recém-publicada, surgiram há uma década. Em 2009, uma pesquisa da Universidade de Stanford contrariou as expectativas e mostrou que estudantes que faziam uso excessivo da internet e nela realizavam diversas atividades ao mesmo tempo tinham desempenho pior ao realizar múltiplas tarefas no mundo real do que jovens com poucas horas de navegação.

A “prática extra”, portanto, não se converte na habilidade de resolver sucessivos desafios que exijam atenção sustentada. E uma análise mais detalhada desses achados sugere que isso se dá porque os internautas convictos são mais suscetíveis à distração por estímulos ambientais irrelevantes.

Cinco anos depois a mesma Stanford, junto com a Universidade de Boston, trouxe uma possível explicação para a desatenção que parece afetar o grupo que não sai da internet: eles fazem muitas coisas, mas não se fixam a nada. O tempo médio para que pulem de uma página para outra é de míseros 19 segundos. E 75% do conteúdo exibido fica menos de um minuto na tela.

Nos anos seguintes, comparações entre resultados de exames de ressonância magnética funcional mostraram que pessoas que declaram usar a rede “sempre” ou “na maioria do tempo” têm menos massa cinzenta nas regiões do cérebro associadas ao foco, à persistência e à manutenção de metas. Ao mesmo tempo, essas pessoas, diante de um estímulo capaz de distraí-las, ativavam muito mais essas regiões cerebrais atrofiadas _o que pode ser traduzido como um esforço adicional para tentar manter a atenção.

Estamos perdendo o foco e também a memória. É como se a facilidade de acesso às informações tivesse nos libertado da necessidade de armazená-las.

Um estudo experimental feito com 50 voluntários constatou, inicialmente, o óbvio: aqueles que usam a internet localizam as informações mais rapidamente do que os que recorrem às enciclopédias impressas. Horas depois da busca, porém, os internautas têm mais dificuldade de se lembrar do que pesquisaram.

A explicação, mais uma vez, aparece nos estudos de imagem feitos no cérebro desses voluntários enquanto eles faziam uso dos livros ou dos sites de busca. Os exames mostram que a coleta de informações online, embora mais rápida, não recruta na mesma intensidade as regiões cerebrais responsáveis por armazenar informações a longo prazo.

Não, não! Não desligue o computador.

O mundo está online! E a tecnologia digital já é parte irreversível da vida. A internet facilita todos os dias nossa busca por informações, agiliza nossas compras, aumenta nossas possibilidades de lazer e até faz cruzar a nossa tela, quando a gente menos espera, a foto daquele amigo querido.

O problema, definitivamente, não é a internet. É o uso que fazemos dela.

Paracelso já dizia, lá no século 16, que a diferença entre o remédio e o veneno é apenas a dose.

Esta coluna, aliás, só existe aqui, na internet.

FIRTH, J. et al. The “online brain”: how the internet may be changing our cognition. World Psychiatry, v. 18, n, 2, 2019, p. 119-29

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