Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa

Cães e humanos compartilham genes de medo e agressividade

Maior pesquisa do gênero conclui que genética chega a determinar 73% de alguns comportamentos

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Cães são um prato cheio para a genética. E a explicação está no fato de um chihuahua de pouco mais de 1 kg e um dogue alemão de 50 kg pertencerem a mesma espécie. É como se tivéssemos alguns humanos de 60 kg e outros de quase 2 mil kg.

A carga genética que faz os cães tão diferentes e tão iguais já nos permitiu avançar na compreensão de doenças hereditárias, distúrbios metabólicos e no entendimento de como características físicas, como massa corporal e cor de pele e de pelagem, são codificadas no DNA.

Todo mundo sabe que cães de diferentes raças têm características comportamentais diferentes. Mas como explicar que cães de algumas raças com aparências tão distintas tenham temperamentos semelhantes? Foi isso o que descobriram pesquisadores de quatro universidades americanas, em estudo que acaba de ser publicado na versão eletrônica da revista britânica Royal Society.

 

Cruzando informações sobre o comportamento de 14 mil cães, de 101 raças, com o conjunto de dados genéticos conhecidos para essas raças, o grupo buscou as semelhanças genéticas entre as raças que compartilhavam certos traços de personalidade.

Em seguida, checou se aqueles genes parecidos de fato se expressavam no sistema nervoso. E descobriu que... sim. Num dos casos, por exemplo, os genes codificavam receptores dos neurotransmissores dopamina e de glutamato, cuja concentração é completamente diferente nos cérebros de animais mansos e agressivos.

A agressividade com estranhos foi um dos traços de personalidade em que a chamada herdabilidade falou mais alto (68% do que se vê parece ser de origem genética, segundo a conclusão do estudo), junto com a facilidade de ser treinado (73%), apego ao dono e busca por atenção (56%). O medo e o nível de energia (comportamento barulhento e brincalhão) sofrem uma influência genética menor (cerca de 50%), sugerindo que o ambiente que criamos para os cães desempenham, nesses casos, um papel igualmente importante na definição desses comportamentos. 

Poodles e border collies tiveram escores de treinabilidade mais altos (o que significa que a característica, nessas raças, tem maior influência genética), enquanto chihuahuas e dachshunds tiveram índices maiores de herdabilidade para agressividade com estranhos.

O mais curioso disso tudo é que as relações gene-característica identificadas neste estudo são muito parecidas com alguns vínculos já verificados em populações humanas. 

As diferentes tendências à agressividade e ao medo nas as raças de cães, por exemplo, estão associadas a genes também envolvidos no comportamento agressivo e na resposta assustada em humanos. O comportamento barulhento e brincalhão dos cães parece ser codificado por genes que, em humanos, se relacionam à frequência cardíaca em repouso e duração do sono. E a facilidade para aprender depende, em cães, de genes previamente associados à inteligência e à velocidade de processamento de informações em humanos.

Parece que muita coisa vem mesmo de fábrica, mas prefiro ler a pesquisa ao avesso e entender que ainda nos resta agir sobre os 30% a 50% que escapam da genética, influenciando positivamente os níveis de agressividade, medo e até de inteligência —nossos e de nossos cães. Não, não tem desculpa: nem tudo está no DNA.


MACLEAN, E.L. et al. Highly heritable and functionally relevant breed differences in dog behavior. Proceedings of the Royal Society. Online: 2 de outubro de 2019

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