Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa

Em dois meses, 8,5% dos usuários do Facebook compartilharam fake news

Pesquisa mostram que mais velhos encaminham 7 vezes mais notícias falsas; pesquisadores veem círculo vicioso de confiança

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A colagem da foto é grotesca, mas ela invade nossos telefones, vinda, inclusive, dos mais “confiáveis” grupos familiares. Minutos depois chega pelo Whatsapp um “imperdível” e inacreditável anúncio de alguma loja. Por fim, cruza a nossa timeline uma imagem de drogas apreendidas pela polícia com o símbolo deste ou daquele partido político.

Lembrou do ano passado? Pois é... e ano que vem tem mais, se a gente não olhar para o próprio umbigo.

Desde que uma avalanche de fake news marcou as eleições presidenciais norte-americanas em 2016 e se repetiu no Brasil em 2018, grupos de pesquisas de inúmeras universidades tentam entender o fenômeno.

Notícias falsas sempre existiram. Há quem diga que até Nero, o imperador conhecido por atear fogo a Roma, não era assim tão mau e que foram escritores ligados à oposição que se incumbiram de divulgar que ele matou a mãe a mulher, como sempre se acreditou.

O que não existia no Império Romano, no entanto, era uma arma tão poderosa como as redes sociais, capazes de espalhar qualquer coisa em segundos, ainda que o que se diz seja inverossímil ou que coloque em risco a reputação de alguém. Na verdade, parece até que elas atendem a uma lógica reversa pela qual ser surreal e difamatório é, de fato, o combustível que impulsiona essa divulgação.

Uma pesquisa das universidades de Princeton e Nova York rastreou o comportamento de 3.500 pessoas no Facebook e concluiu que 8,5% dos usuários compartilharam ao menos uma notícia falsa por essa plataforma em dois meses do período de campanha eleitoral dos EUA. O índice chegou a 18,1% entre os que se definiram como conservadores e a 3,5% entre os que se consideraram liberais.

A primeira coisa que se imagina é que aqueles que rotineiramente compartilham mais conteúdo são também os que lideraram o ranking de distribuição de notícias falsas, certo? Errado.

Pelo levantamento, os usuários que mais frequentemente passam adiante as postagens de caráter geral são os que menos encaminham fake news.

A constatação derruba a tese segundo a qual o fenômeno estaria apenas pegando carona no hábito de alguns internautas de encaminhar qualquer coisa e reforça a hipótese de que os usuários mais frequentes das redes sociais talvez consigam distinguir mais facilmente o joio do trigo.

(Mas essa é apenas uma hipótese, já que a pesquisa não perguntou aos participantes os motivos pelos quais eles compartilharam ou deixaram de compartilhar alguns conteúdos).

E quem são essas pessoas que dão ressonância às notícias falsas, pelo menos pelo Facebook?

Segundo o estudo, usuários com mais de 65 anos compartilharam 7 vezes mais fake news do que os usuários com 30-44 anos e 2,3 vezes mais do que aqueles com 45-64 anos.

“É essa a nossa descoberta mais robusta”, escrevem os pesquisadores. “Nenhuma das outras variáveis demográficas —sexo, raça, educação e renda— teve um efeito preditivo tão forte no compartilhamento de notícias falsas como a idade.”

Uma das teorias é que os mais velhos são presas mais fáceis para as chamadas “câmaras de eco” —espaços nos quais só há troca de informação entre pessoas que têm as mesmas posições, o que ignora o contraditório e reforça o ponto de vista de cada uma delas.

Com base nessa semelhança ideológica, os participantes desses grupos tendem a acreditar que seus interlocutores têm razão também nas suas posições sobre outros temas —embarcando, por exemplo, nas fake news que eles distribuem e aderindo a eventuais teorias da conspiração que disseminam.

Uma pesquisa publicada na edição de julho da Cognition levou ao extremo o efeito das “câmeras de eco”. O experimento era o seguinte: as pessoas sentavam-se diante de um computador no qual, supostamente, estavam em contato com quatro desconhecidos que passariam a ser suas fontes de informação (não havia pessoas do outro lado, eram algoritmos, mas os participantes ignoravam essa informação).

Primeiro, participantes e fontes respondiam a uma série de perguntas sobre opiniões políticas, sociais e econômicas (e os participantes viam a posição de cada uma das fontes). Depois, todos respondiam a perguntas sobre cores e formas geométricas, mais uma vez sendo informado aos participantes qual fonte havia acertado e qual havia errado a resposta.

Encerrada essa etapa, os participantes eram convidados a escolher uma fonte para a qual fariam perguntas sobre formas geométricas. E, pasmem, eles optavam por pedir ajuda àquelas com as quais tinham afinidade ideológica, em detrimento das que tinham se saído melhor no teste específico, mas que sustentavam outras opiniões.

Ou seja: mesmo sobre tópicos que nada têm a ver com política, as pessoas optam por ouvir aqueles que têm a mesma posição ideológica do que elas e acreditam que esses interlocutores são melhores nessa tarefa aleatória, mesmo quando têm informações objetivas para decidir quem, de fato, é o especialista.

Poderíamos chamar de burrice convicta, mas os pesquisadores batizam o fenômeno de forma mais delicada: ilusão de competência, algo que, segundo eles, está na base da disseminação das fake news —a afinidade empurra as pessoas a buscarem informações em seus grupos políticos “confiáveis” e a usarem esses dados de forma acrítica.

Somos, definitivamente, um prato cheio para os neurocientistas e os cientistas sociais.

Em tempo: dia 27 tem audiência pública no Tribunal Superior Eleitoral sobre a resolução que tenta reduzir o compartilhamento de notícias falsas.

O artigo 9 do documento sobre propaganda eleitoral, que está disponível para consulta pública desde o dia 8, afirma que a utilização de informações veiculadas por terceiros "pressupõe que o candidato, partido ou coligação tenha procedido à checagem da veracidade e fidedignidade".

A ideia é ótima, resta saber como passará da teoria à prática.

GUESS, A.; NAGLER, J.; TUCKER, J. Less than you think: Prevalence and predictors of fake news dissemination on Facebook, Science Advances, v. 5, 2019 MARKS, J.; COPLAND, E.; LOH, E.; SUNSTEIN, C. R.; SHAROT, T. Epistemic spillovers: Learning others’ political views reduces the ability to assess and use their expertise in nonpolitical domains, Cognition, v. 188, 2019

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