Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Sílvia Corrêa

Tamanho de votos de ministros do STF quase triplicou após transmissões pela TV

Estudo da FGV aponta que ministros fazem das votações, filmadas desde 2002, um verdadeiro palanque eletrônico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Está marcado para amanhã um dos julgamentos mais aguardados do ano: o STF (Supremo Tribunal Federal) deve concluir na quinta-feira (7) se os réus podem ou não continuar presos após condenação em segunda instância.

Hoje, a resposta é sim. Se o entendimento mudar, a decisão pode tirar da cadeia 4.895 pessoas, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), incluindo conhecidos alvos da Operação Lava Jato, como o ex-presidente Lula. No fundo, portanto, é isso o que importa para a maioria dos brasileiros, nesse improdutivo e fanático flá-flu que virou a política nacional.

O placar está em 4 a 3 para que a prisão seja mantida. Faltam votar Gilmar Mendes, Celso de Mello, Carmem Lúcia e o presidente, Dias Toffoli, ao qual estão direcionados os holofotes, diante da iminente perspectiva de empate.

Janela do comitê de imprensa do Supremo Tribunal Federal (STF) mostra reflexo da transmissão da TV Justiça durante julgamento do mensalão
Janela do comitê de imprensa do Supremo Tribunal Federal (STF) mostra reflexo da transmissão da TV Justiça durante julgamento do mensalão - Folhapress

Até agora, os ministros do STF têm levado ao extremo o que o economista Felipe de Mendoça Lopes, 32, descreve em sua tese de doutorado pela Fundação Getúlio Vargas: fazem das votações, hoje filmadas pela TV, um verdadeiro palanque eletrônico.

“O resultado principal [desde o início das transmissões ao vivo] é que os juízes se comportam como políticos: quando lhes é dado tempo gratuito de televisão, agem para maximizar a exposição individual, escrevendo votos longos e interagindo mais frequentemente com seus pares”, diz Mendonça Lopes.

O economista analisou todas os 1.678 casos de questionamento abstratos de constitucionalidade julgados pelo STF entre 1988 e 2015, a maioria deles ações diretas de inconstitucionalidade, e identificou uma verdadeira transformação no comportamento dos ministros a partir de 2002, quando as sessões do STF passaram a ser filmadas —com imagens transmitidas ao vivo e cedidas a emissoras comerciais.

Quando o que está em jogo é uma lei federal, como agora, os votos quase triplicaram de tamanho: passaram de 2,4 páginas nos casos anteriores a 2002 para 6,4 páginas desde o advento da TV no plenário. As discussões, então, pegaram fogo: se antes elas eram transcritas em menos de duas páginas de acórdão, de 2002 para cá passaram a exigir, em média, 12 páginas.

Mendonça Lopes não tem dados quantitativos que evidenciem uma relação direta entre a verborragia dos ministros e a popularidade do caso em discussão, mas os números das primeiras sessões sobre a constitucionalidade ou não da prisão após a condenação em segunda instância deixam clara essa tendência.

O relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, gastou 27 páginas (50 minutos de leitura) para votar contra a manutenção dessas prisões. Sua posição foi seguida por Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Lewandowski e Weber poderiam apenas acompanhar o voto do relator (uma declaração levaria 30 segundos), mas o voto da ministra, por exemplo, teve 60 páginas e durou 1h32 —nove vezes mais do que a média dos votos do próprio STF, mesmo na era da TV.

O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro dissidente e gastou 24 páginas (50 minutos) para discordar da tese de Mello, seguido por Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O trio também ignorou a possibilidade de ir direto ao ponto e, embalado no juridiquês, cada um deles votou ao longo de mais de 30 páginas, que demoraram entre 50 minutos e 1h30 para serem lidas —o triplo do tamanho dos votos da corte na média dos julgamentos.

Votos maiores significam mais tempo de sessão, julgamentos mais longos e maior demora para colocar em pauta os 31.913 casos que aguardam votação no STF —um deles, a disputa de terra entre a União e o estado de São Paulo na cidade de Iperó, está na fila do STF há 50 anos.

Data vênia, vossas excelências, os números são claros: com votos longos não se faz a Justiça que os senhores são pagos para fazer.

Em tempo: Mendonça Lopes acaba de publicar um segundo artigo feito a partir das análises desses 1.678 casos julgados pelo STF entre 1988 e 2015. O estudo saiu na última edição do Journal of Empirical Legal Studies, da Universidade de Cornell, e traz dados que sustentam o que o mundo jurídico batizou de aversão à divergência.

O economista separou, entre os casos analisados, aqueles que não tiveram votação unânime e analisou como se comportaram os ministros que votaram depois que a decisão já estava definida —ou seja, os que votaram quando o placar já era de 6 a 1. Nesse caso, o oitavo votante, que costumava divergir em 30% dos casos, discordou apenas em 15% deles, comportamento que se repetiu entre os votos seguintes.

“Quando os juízes sabem que seus votos não podem mudar o resultado do julgamento, eles aderem à maioria e evitam os custos de discordar”, diz Mendoça Lopes. “Custo de reputação, de indisposição com os pares e até o custo do esforço de elaborar um voto em separado. Para mim, os dados são uma evidência que os ministros pesam custos e benefícios, que a discordância nem sempre se evidencia em divergência e que devemos abandonar a ideia de que o voto é sempre um retrato da posição sincera daquele magistrado.”

LOPES, F. M. Dissent Aversion and Sequential Voting in the Brazilian Supreme Court. Journal of Empirical Legal Studies, outubro 2019.

LOPES, F. M. Television and Judicial Behavior: Lessons from the Brazilian Supreme Court. Economic Analysis of Law Review, v. 9, nº 1, p. 41-71, abril 2018.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.