Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa

O conselho do CEO da Starbucks

Executivo critica uso tecnologia e diz que inteligência artificial precisa liberar humanos para serem humanos

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Ele foi uma das estrelas do NRF Retail’s Big Show, o maior evento de varejo do mundo que terminou ontem em Nova York.

Tomou o palco montado para apresentações sobre as últimas tendências nas áreas de “tecnologia e soluções” e defendeu o que pode soar óbvio: o futuro é feito de gente. As máquinas devem servir para agilizar tarefas e liberar nosso tempo para os relacionamentos. 

A sugestão vem de um executivo que ganhou fama mundial desenvolvendo sistemas de computador, foi presidente do (NSTAC) Comitê de Segurança Cibernética dos Estados Unidos e esteve por quase duas décadas à frente das maiores operações da gigante Microsoft. 

Mas o que ele diz não pode ser entendido como um passo atrás. É um salto para frente. 

Loja Starbucks na Filadélfia
Loja Starbucks na Filadélfia - Kena Betancur/AFP

Essa história, como tantas outras, surgiu de um diagnóstico médico, aquele momento em que nos damos conta de que a vida escorre diariamente entre nossos dedos.

O ano era 2012, quando Kevin Johnson, então com 52 anos, descobriu um câncer de pele. Na época, Johnson era CEO da Juniper Networks, uma multinacional sediada na Califórnia e que se dedica a desenvolver soluções para redes de computadores.

Por vários meses, Johnson se viu cancelando e reagendando consultas médicas para atender a agenda profissional até finalmente se perguntar: "Por que estou priorizando os compromissos comerciais em vez de dar atenção à minha saúde, a algo que pode ser fatal?”, contou ele à Harvard Business Review, há três meses.

Johnson largou o emprego para se tratar, com uma decisão: a partir de então, só faria coisas que lhe dessem alegria.

A aposentadoria durou um ano, até que Howard Schultz, então CEO da Starbucks, o convidou para almoçar. Johnson entrou na rede como diretor de operações e logo foi escolhido por Schultz para sucedê-lo.

Desde então, o veterano da tecnologia trabalha para quebrar o maior paradoxo dos nossos tempos: quer transformar a inteligência artificial —essa mesmo que está contribuindo para uma epidemia global de solidão— na principal ferramenta para aproximar seus funcionários de seus clientes.

Ele conta que, para descobrir como fazer isso, começou a perguntar aos atendentes que tarefas diárias os impediam de ter um envolvimento maior com os clientes ou de estarem mais disponíveis para isso.

As respostas são comuns a várias empresas: a contagem do estoque, a falta de funcionários no momento de pico, as diversas tarefas manuais que devem ser executadas ao mesmo tempo. 

Desse apanhado surgiram as primeiras ideias. 

A inteligência artificial já passou a rastrear laticínios nas geladeiras e fazer o controle automatizado do estoque de algumas lojas da rede, liberando o funcionário para ficar no salão. Em breve, pelos planos de Johnson, o sistema vai dominar de tal forma a rotina de cada unidade que será capaz de apontar o número necessário de baristas por cafeteria, a cada 30 minutos, para que não haja filas e o atendimento possa ser mais personalizado.

Nos próximos meses, o executivo que que um programa de reconhecimento de voz, preso à roupa do atendente, emita o pedido sem que ele tenha que baixar os olhos para o caixa e possa, enquanto isso, conversar ou sorrir para o cliente.

Parece pouco? Mas não é. E há alguns anos psicólogos da University of British Columbia mediram isso, absolutamente por acaso, exatamente dentro de uma Starbucks.

Os pesquisadores escolheram 60 pessoas na rua e pediram que cada uma delas comprasse um café. Metade foi orientada a entrar na loja e fazer o pedido mantendo contato visual com o caixa, sorrindo e iniciando uma breve conversa. A outra metade deveria fazer uma compra eficiente —entrar com o dinheiro na mão e sair o quanto antes.

Em seguida, cada participante respondia um questionário sobre a intensidade com a qual ele havia experimentado alguns sentimentos.
 
As sensações positivas e a satisfação com a experiência na loja foram mais intensas e frequentes no grupo que teve um comportamento mais social, que também relatou um sentimento maior de pertencimento a uma comunidade.

De fato, não faltam evidências acerca do surpreendente poder dessas rápidas interações sociais sobre a nossa sensação de felicidade e de bem-estar, seja na escola, no bar, nas aulas de ginástica ou até passeando com o cachorro. E elas muitas vezes decorrem de um breve contato visual ou de uma troca de sorrisos

Esses sorrisos, no entanto, parecem cada vez mais raros. 

No ano passado, o mesmo grupo da British Columbia liderou um estudo para mensurar o impacto dos celulares sobre esses curtos momentos de convívio

Os pesquisadores colocaram duplas de estudantes, que não se conheciam, para esperar uma suposta reunião em uma sala. Algumas duplas tiveram que deixar todos os pertences em um armário. Outras puderam levar o celular. 

Sozinhos e acreditando estar aguardando, eles foram filmados. Os participantes sem telefone sorriram durante dois minutos e meio. Os que tinham o celular nas mãos sorriram e interagiram 30% menos tempo.

A conclusão dos pesquisadores é que a conexão tecnológica está levando à desconexão humana. E é essa lógica o que Kevin Johnson diz querer reverter no relacionamento entre os 400 mil colaboradores da Starbucks e 100 milhões de clientes que frequentam as lojas da rede todas as semanas.

“Simplificando”, diz ele. “Não é a tecnologia pela tecnologia. É usar a tecnologia para libertar os humanos... para que eles possam passar mais tempo sendo humanos.”

KUSHLEV, K.;  HUNTER, J.F.; PROULX, J.; PRESSMAN, S.D.; DUNN, E.W. Smartphones reduce smiles between strangers. Computers in Human Behavior, v.91, p. 12-16, 2019.

SANDSTROM, G.M.; DUNN, E.W. Is Efficiency Overrated?: Minimal Social Interactions Lead to Belonging and Positive Affect. Social Psychological and Personality Science, v.5, n.4, 2014

SANDSTROM, G.M.; DUNN, E.W. Social Interactions and Well-Being: The Surprising Power of Weak Ties. Personality and Social Psychology Bulletin, v.40, n.7, 2014

WESSELMANN, E.D.; CARDOSO, F.D.; SALATER, S.; WILLIAMS, K.D. To Be Looked at as Though Air: Civil Attention Matters. Psychological Science, v. 23, n.2, 2012.

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