Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa
Descrição de chapéu Coronavírus

Covid-19 deixa o mundo sem cheiro por semanas

Estudos trazem as primeiras pistas sobre a intensidade e a forma que o vírus afeta o olfato

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Parece cada vez mais seguro afirmar que a perda de olfato pode, sim, ser considerada um sinal de alerta para infecções pelo Sars-CoV-2.

A suspeita ganhou força em março, quando os relatos dos pacientes começaram a se multiplicar e as buscas no Google para a pergunta “por que eu não sinto cheiro” chegaram a marcas históricas.

No começo, muita gente imaginou estar diante de algo bastante elementar, afinal, quem nunca teve uma
gripezinha que lhe entupiu o nariz e roubou o olfato.

Com o tempo, no entanto, a exemplo do que aconteceu com outros aspectos da doença, os sabichões que
consideraram a Covid-19 uma gripezinha foram sendo atropelados pelos fatos. E, felizmente, a maioria tem dado o braço a torcer.

Diferentemente de outras moléstias respiratórias, a Covid-19 impede a percepção dos odores sem que a
cavidade nasal esteja tomada pelo muco. O problema, portanto, não decorre de uma obstrução mecânica.

Tudo indica que o Sars-CoV-2 afeta o olfato de uma forma mais intensa, frequente e duradoura.

Uma das contribuições para desvendar as características dessa manifestação clínica vem de um grupo de
pesquisadores brasileiros das universidades federais do Rio e de São Paulo. Eles aplicaram questionários a 725 pacientes que relatavam algum grau de perda de olfato entre março e
abril.

Com o fracasso da testagem em massa no país, os pesquisadores optaram por trabalhar apenas com os 179 entrevistados que tinham conseguido se submeter ao teste. E descobriram que 88,8% deles haviam tido o novo coronavírus detectado no organismo —uma correlação estatística significativa. Duas semanas depois, 11,9% ainda não sentia nenhum cheiro e 43,4% tinha recuperado o olfato apenas parcialmente.

Dois projetos internacionais também estão em busca dessas informações. Eles querem saber a frequência e a intensidade que o Sars-CoV-2 causa anosmia (termo técnico para perda da capacidade de sentir cheiro), mas, além disso, pretendem descobrir se essa manifestação clínica pode ser uma forma eficiente de rastrear precocemente a propagação da doença, já que em alguns pacientes com infecção leve ela é o único sintoma.

Um dos projetos foi batizado de Global Consortium for Chemosensory Research (GCCR). O grupo, que reúne 600 pesquisadores de 60 países, elaborou um questionário disponível na internet em 24 idiomas e destinado a pessoas que se recuperaram recentemente de infecções respiratórias superiores, incluindo a Covid-19.

O objetivo é avaliar como o novo coronavírus afetou a capacidade de os pacientes sentirem gosto e cheiro e se esses sintomas são específicos o suficiente para que a condição seja usada como critério de diagnóstico.

Uma busca semelhante está sendo feita pelo Weizmann Institute of Science, de Israel. Batizado de SmellTracker (rastreador de cheiro, em português), o projeto pede aos participantes que escolham itens de consumo doméstico, como pasta de amendoim, vinagre e chá, e relatem, a cada dois dias, a intensidade do odor que os produtos exalam e o quão agradável é esse cheiro.

A ideia, além de associar essas informações com outras manifestações clínicas das doenças respiratórias, é ajudar as pessoas a perceberem mais rapidamente a perda de olfato (que muitas vezes demora a ser notada) e procurarem um médico.

O olfato é dado por dois pares de nervos cranianos —o olfatório e o trigêmeo. O olfatório capta odores suaves, como o da comida gostosa. O trigêmeo percebe as moléculas irritantes, como cebola e água sanitária, por exemplo.

Os resultados parciais obtidos pelo SmellTracker sugerem que ambos os nervos perdem a função na infecção por Sars-CoV-2 e que o tempo de recuperação do olfato pode passar de cinco semanas —se é que todos os pacientes vão se recuperá-lo.

Agora, a próxima pergunta a ser respondida é de que forma o vírus afeta a nossa capacidade de sentir cheiro.

Ele entra nos nervos? Pode, por eles, caminhar rumo ao cérebro?

A boa notícia, nessa área, é que, ao que tudo indica, ele não penetra exatamente nos neurônios olfatórios. E isso é bom porque essas células, que têm um pé na cavidade nasal, seguem dali diretamente para o cérebro, o que poderia fazer delas, por uma simples esfregada de nariz, uma ponte fácil entre o ambiente e o frágil sistema nervoso central.

Uma bela pesquisa de um grupo polonês, recém-publicada na ACS Chemical Neuroscience, mostra que, em ratos, esses neurônios olfatórios têm poucas ou nenhuma das proteínas de membrana que
servem de encaixe para o vírus invadir a célula. Sem porta de entrada, eles não servem de caminho para o avanço do Sars-CoV-2.

Essas proteínas, no entanto, aparecem nas células de sustentação dos neurônios olfatórios, que são as que garantem a retenção adequada das moléculas para a transmissão do olfato. Infectadas, as células de
sustentação inviabilizariam o trabalho neuronal.

Além disso, as proteínas são mais numerosas em células de animais mais velhos, o que pode ser uma das
explicações para os idosos serem mais suscetíveis ao vírus.

A falta desses receptores do tipo ECA-2 (ou ACE-2, em inglês) nos neurônios olfatórios foi confirmada no epitélio da cavidade nasal de pacientes humanos por um estudo ainda não revisado.

Ainda não se sabe, no entanto, se o processo patogênico seria semelhante para explicar por que um ramo do nervo trigêmeo também perde a função em pacientes com Covid-19, fazendo com que eles deixem de chorar ao cortar cebola —talvez a única vantagem disso tudo.

Se o nariz não for mesmo a rota do vírus para o cérebro, vamos ter que fuçar outros caminhos.

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