Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa

USP vai ampliar uso de vírus da zika no combate a tumores de cães

Em estudo inicial, formações intracranianas desses animais tiveram redução de mais de 35%

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O pontapé inicial veio, quem diria, por uma postagem no Facebook. Foi na rede social que a médica-veterinária Raquel Madi leu sobre o estudo conduzido em camundongos pela equipe do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células Tronco (CEGH-CEL). A pesquisa foi capa da Cancer Research em abril de 2018.

“A ideia surgiu quando a gente viu que o vírus da zika causa microcefalia —destrói células neuroprogenitoras dos bebês que foram expostos à infecção durante a gestação”, explica Mayana Zatz, coordenadora do grupo. “Os tumores cerebrais são ricos nessas células. Então, decidimos testar a ação do vírus sobre os tumores.”

Scientists generated the clearest and most detailed image yet of Zika virus. Above, the virus’s structure, with the green dots representing the glycan loop, which might determine the symptoms caused by Zika. Credit
Vírus da zika, que causa microcefalia em bebês - Sevvana et al.

O primeiro passo foi avaliar a interação vírus/tumor em laboratório. E, in vitro, o zika destruiu as células tumorais. “Depois, injetamos tumores em camundongos ‘nude’ (imunossuprimidos). Esses camundongos, quando recebem os tumores, morrem em duas semanas. Mas, quando eles foram injetados com o vírus da zika, os tumores regrediram. E, em um terço deles, desapareceram completamente, inclusive as metástases”, explica Mayana.

Foi esse resultado que Raquel viu no Facebook. Ela escreveu para Mayana e, junto com a bióloga Caroline Kaid, elas localizaram três famílias que tinham cães com tumores intracranianos em estágio avançado e estavam dispostas a participar da pesquisa.

Os cães receberam 1 bilhão de partículas virais por via intratecal —com o animal anestesiado, o material é injetado no líquido cerebroespinhal (que banha o sistema nervoso), pelo espaço entre o crânio e a primeira vértebra cervical. Os resultados foram surpreendentes.

“O primeiro animal, o Pirata, era um pitbull de 13 anos já em estupor (estado de consciência que antecede o coma). Convulsionava, não andava, não comia. Ele voltou a comer e chegou a ficar em pé, mas os responsáveis teriam dificuldade de manejar um animal de grande porte que não andava mais e, por isso, decidiram pela eutanásia”, diz Mayana.

“Os outros dois cães —Nina e Matheus—, que também chegaram muito debilitados (veja vídeos), tiveram, respectivamente, 80 e 150 dias de uma vida praticamente normal depois de receberem o vírus. São animais que, no estado em que estavam, costumam viver de 20 a 30 dias depois do diagnóstico.” Foi em Nina e Matheus, que receberam duas injeções do vírus, que o tumor chegou a ficar de 35% a 37% menor.

Ao analisar o tecido encefálico desses cães, o grupo percebeu que o zika havia exercido ali uma dupla ação: ele não só havia atacado diretamente o tumor (matando células tumorais enquanto se replica), como também havia ativado o sistema imunológico dos cães, sem que esse recrutamento de glóbulos brancos danificasse neurônios saudáveis. Isso é importante porque é uma segunda frente de controle das formações, já que os tumores aparecem e crescem justamente quando o sistema imunológico não os reconhece como algo a ser destruído.

Tudo isso, diz Mayana, aconteceu sem que os animais apresentassem efeitos colaterais da infecção pelos vírus. Em humanos, o zika (esse, sim!) tem sinais de uma “gripezinha” _febre, dores articulares, fraqueza, mialgia. Ele só é grave para gestantes, exatamente pelas alterações que provoca no sistema nervoso do feto em desenvolvimento.

O mosquito foi incriminado como o principal vetor da infeção, mas os pesquisadores estão cada vez mais convencidos de que estamos diante de uma doença sexualmente transmissível.

“Nos cães, como já se viu em humanos, o vírus tem certo tropismo pelo trato urogenital. Nos machos que estudamos, havia muito mais partículas virais nos testículos do que os outros tecidos do corpo”, ralata Mayana.

Em humanos, o zika já persistiu por cerca de nove meses no sêmen de um paciente, que, porque queria ter um filho, submeteu o esperma a análises periódicas até que a carga viral desaparecesse.

Os resultados do ensaio em cães foi publicado na versão impressa da Molecular Therapy em maio passado. Mas Mayana e a equipe querem mais.

“Queremos entender essa ativação do sistema imune, queremos saber se em doses maiores e em múltiplas aplicações podemos destruir completamente esses tumores, queremos identificar em quais tumores temos as melhores respostas”, exemplifica a pesquisadora. “Qualquer pessoa que recebesse os e-mails que recebo de pais com filhos em fase terminal entenderia a minha vontade de chegar a essas respostas. Claro que nos interessa ajudar os cães, mas nosso objetivo final é tratar as pessoas, as crianças, os idosos, e tentar livrá-los de tumores contra os quais hoje pouco se pode fazer. Vamos chegar lá.”

*

Se você é médico-veterinário e tem pacientes com tumores intracranianos, escreva para correa.silvia@me.com

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