Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Silvio Almeida

O debate racial como debate nacional

O efetivo antirracismo exige atuação no campo da economia política e a proposição de novos arranjos institucionais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A eleição de 2022 marcará um dos momentos mais importantes da história do país. E não apenas por conta da esperada belicosidade da disputa, mas especialmente pela importância dos temas que serão levantados durante o debate eleitoral. A decadência econômica, o enfraquecimento das instituições políticas e o acirramento dos conflitos sociais tornam inevitável o enfrentamento de algumas questões históricas, dentre as quais a racial.

Por óbvio, o racismo não é uma novidade no debate político brasileiro, porém, mudanças geopolíticas e circunstâncias específicas do cenário nacional trouxeram o conflito racial para o centro das discussões sobre o país.

Não se trata de uma simples mudança quantitativa, mas de uma transformação qualitativa do debate. Não é apenas sobre a urgência de "falar mais sobre racismo" ou de "racializar o debate", mas sobre a necessidade de uma abordagem mais sofisticada sobre o assunto. Os impactos dessa mudança na forma com que o debate racial é conduzido no Brasil são enormes, e podemos falar de ao menos de três efeitos relevantes.

O primeiro efeito é sobre a direção dos debates eleitorais. De um modo ou de outro, acredito que todos os candidatos ou candidatas terão que, uma hora ou outra, se pronunciar sobre o racismo brasileiro, ainda que seja para cinicamente negar a existência ou a gravidade do problema. A cartada de acusar os que apontam a necessidade do debate racial de "identitarismo" ou de reduzir antirracismo à "representatividade" não serão mais estratégias suficientes.

O segundo efeito é deslocar o racismo da perspectiva ético-político para a da economia política. Se os problemas da desigualdade e da pobreza passam pelo tratamento de questões como orçamento, tributação, direito econômico, administração pública e regulação de setores econômicos, a reflexão sobre o racismo e seus efeitos é, inevitavelmente, algo fundamental para qualquer projeto político que vise a dar conta das mazelas do Brasil. Daí a pensar que o verdadeiro antirracismo não poderá se sustentar sem que o país constitua uma base produtiva sólida e que livre as minorias raciais da pobreza e das condições precárias do trabalho.

O terceiro efeito se dará sobre a militância antirracista que, mais do que nunca, terá que apresentar alternativas também no campo da técnica e da gestão. A transformação da questão racial no Brasil passa pela proposição de novos desenhos institucionais, seja no setor público, seja no setor privado. É nesse sentido que, após o assassinato de Alberto Freitas em um supermercado do Grupo Carrefour, às vésperas do Dia da Consciência Negra, a Câmara dos Deputados instituiu uma comissão de juristas para avaliar e propor estratégias normativas para o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo institucional. Eu tive a honra de ser o relator-geral dessa comissão composta por 20 juristas de renome nacional e internacional no Brasil, sob a presidência do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça.

A comissão tratou da questão racial, mas a partir de cinco eixos: direito econômico, tributário e financeiro e os impactos raciais, direitos sociais, medidas de combate ao racismo no setor público, medidas de combate ao racismo no setor privado e sistema de Justiça criminal. Em um documento de aproximadamente 600 páginas que está à disposição do público no site da Câmara dos Deputados foi produzido um diagnóstico dos problemas estruturais do Brasil e a proposição de alterações no campo jurídico-institucional. Por mais que alguns queiram negar —até mesmo nas páginas desta Folha— o debate racial brasileiro é, incontornavelmente, um debate sobre o futuro do Brasil.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.