Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Silvio Almeida
Descrição de chapéu Folhajus

Política, identidade e representação

A identidade sempre foi e continua sendo um problema crucial da política

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A relação entre representatividade e identidade não é algo novo ou desconhecido para quem conhece um pouco de história ou observa com atenção o cotidiano da política. De fato, as sociedades contemporâneas são divididas, primeiramente, por classe, e no interior das classes, em grupos que se definem a partir das mais diversas identidades.

A identidade de um grupo é histórica e politicamente forjada por fatores econômicos, culturais e psicológicos que se relacionam de modo complexo. Por isso, é no mínimo equivocada a posição que vê na afirmação da identidade apenas a manifestação de uma espécie de antipolítica.

Com efeito, a política sempre traz consigo a questão da identidade. Um bom exemplo disso é o problema da nacionalidade. Falar sobre nação é tratar da constituição da identidade de um país, da singularidade de seu povo —e em uma chave democrática— de quais instituições são capazes de abrigar os diversos grupos que o compõem sob uma mesma "identidade nacional".

Manifestantes pintam a frase "Vidas pretas importam" na avenida Paulista (SP) - Bruno Santos - 12.nov.20/Folhapress

Assim, discussões sobre projeto nacional, desenvolvimento econômico, cultura, democracia ou formas de superação da desigualdade são também debates sobre identidade.

A identidade mobiliza aspectos simbólicos e aspectos materiais da vida, de tal sorte que questões como raça e gênero são, simultaneamente, culturais e econômicas. Em um país como o Brasil, é evidente que o problema da desigualdade está intimamente vinculado às condições de raça e de gênero. Essa constatação está em estudos realizados no país ao menos desde a década de 1950.

Dada a ligação entre identidade e condições materiais, a representatividade é algo de muita relevância. Entretanto, isso não significa que indivíduos pertencentes a um grupo definido pela identidade não tenham divergências entre si ou que estejam representando seu grupo a todo tempo.

Aliás, é uma conhecida artimanha dos racistas e sexistas julgar indivíduos pelos preconceitos direcionados a seus respectivos grupos ou julgar todo o grupo pela ação de alguns indivíduos.

Por fim, há quem diga que as reivindicações dos grupos sociais causem divisões que impedem a emergência de uma política baseada em princípios universais. De fato, há grandes contradições nos grupos marcados pela identidade e estão aí os homens brancos para comprovar isso.

Mas é preciso também encontrar as origens destas contradições: o que de fato cria divisões e bloqueia a constituição de uma "base comum" não são os comportamentos das pessoas que integram determinados grupos, mas sim as condições de sociabilidade que a todo tempo empurram os indivíduos para uma vida de conflitos e antagonismos.

Diante do desemprego ou do trabalho precário, da miséria crescente, da degradação das condições de vida e da ausência de alternativas na política institucional, os indivíduos tomam como referência apenas aquilo que pensam conhecer: a própria identidade.

Mas ao mesmo tempo, como sintoma desta mesma realidade nasce também o crítico do "identitarismo" –este termo tão usado, mas cuja definição permanece um mistério—, que sob o pretexto de ser "universal", é igualmente ensimesmado e incapaz de ver as raízes históricas e sociais do problema da identidade.

A demanda de grupos sociais minoritários por representação política não deveria assustar e nem provocar espanto, especialmente no campo das esquerdas. A reação, aliás, diz muito mais sobre como a constituição identitária atua na psique de quem reage mal a cobranças do que sobre a de quem reivindica lugar à mesa.

No fim das contas, a grande questão é sobre qual projeto será oferecido ao país cuja fome, pobreza e violência estão historicamente relacionadas à discriminação contra grupos sociologicamente considerados minoritários. A pergunta é: que nova imaginação política é preciso surgir para que um horizonte comum possa ser vislumbrado?

Nesse caso, seria no mínimo sensato produzir, não somente imagens que sinalizem mudanças, mas principalmente práticas políticas que apontem para a superação dos problemas concretos que atravessam os grupos historicamente discriminados.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.