Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

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Descrição de chapéu Folhajus

Assédio e destruição

O governo Bolsonaro destrói o Estado brasileiro usando o direito administrativo como arma

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No último dia 03 de maio foi publicado um livro que é, ao mesmo tempo, um amplo diagnóstico e um relato histórico sobre a tragédia brasileira dos últimos anos, que agora atinge seu ápice no governo incompetente, corrupto e entreguista de Jair Bolsonaro.

Trata-se do livro "Assédio institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado", organizado por José Celso Cardoso Jr., Frederico A. Barbosa da Silva, Monique Florencio de Aguiar e Tatiana Lemos Sandim.

A publicação é do Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea e da Associação Nacional dos Funcionários do Ipea, em conjunto com a Editora da Universidade Estadual da Paraíba.

O presidente Jair Bolsonaro - Bruno Santos/Folhapress

O livro, em suas mais de 800 páginas, disseca o processo de destruição do Estado promovido pelo governo Bolsonaro e patrocinado por grupos privados tanto do Brasil como do exterior. A obra se divide em quatro partes, em que em cada uma delas se analisa um ponto específico da natureza destruidora do atual governo, a saber: a erosão das instituições democráticas, a violação de direitos fundamentais, a obstaculização ao funcionamento regular da administração e a perseguição e assédio a servidores públicos.

O nome "assédio institucional" é muito apropriado para descrever o fenômeno, que se manifesta por meio de práticas reiteradas de abuso e de violência. Abusividade e violência, aliás, são palavras que poderiam constar na lápide deste governo, formado de notórios assediadores que, como muito bem o livro demonstra, não se limitam a agir no plano das relações interpessoais.

Segundo o texto de apresentação —a que farei menção expressa—, o que caracteriza o assédio institucional é o avanço simultâneo e sistemático de três processos. O primeiro é o "liberalismo fundamentalista", que é "antinacional, antipopular e antidesenvolvimento", algo tão bem representado pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes e sua equipe.

O segundo se manifesta pelos "ataques diuturnos ao que ainda resta" da Constituição Federal de 1988, o que diga-se, não começou no governo Bolsonaro, mas que com ele avança em uma velocidade e uma desfaçatez sem precedentes.

E o terceiro está na "desconstrução do Estado nacional, suas organizações, institucionalidades, políticas e servidores públicos", o que fatalmente nos lembra do malfadado projeto de reforma administrativa.

É importante notar como se trata de aspectos distintos, mas absolutamente complementares, à medida que o liberalismo fundamentalista, o desrespeito à Constituição e a destruição do Estado se retroalimentam em uma ciranda da morte, como ficou muito evidente durante a pandemia da Covid-19 (tema que, aliás, é abordado em artigo contido no livro, de autoria de Rossana Reis, Deisy Ventura e Fernando Aith).

Este "livro-denúncia" —como definido por José Celso Cardoso Jr. na apresentação— também nos dá importantes lições sobre os desafios que o país terá nos próximos tempos. Repito algo que já disse nesse espaço: o bolsonarismo transcende a figura de Jair Bolsonaro.

É um governo que está muito mais enraizado no Estado brasileiro do que parece, e aqui não falo apenas do plano ideológico; falo do direito administrativo brasileiro. Ao contrário do que o senso comum propala, o direito administrativo não se resume a estabelecer limites ao poder do Estado, mas também na determinação das formas com que o poder estatal irá penetrar (e moldar) as diferentes instâncias da vida social.

Enquanto os olhos se voltam para as grandes reformas constitucionais ou para os projetos de lei enviados pelo governo, é por meio de atos administrativos como decretos, portarias, circulares e resoluções que o governo de Jair Bolsonaro tem promovido a captura do Estado brasileiro, sem que o poder legislativo e o poder judiciário possam efetivamente contê-lo.

É um governo que trabalha nas frestas do poder, por meio da promoção da dissonância cognitiva e da quebra de limites ético-políticos, procedimentos típicos de um país tradicionalmente avesso a mecanismos de controle e de participação democrática nos processos decisórios. Portanto, nos próximos tempos será nos exigida uma maior atenção para com o direito administrativo, o que significa estabelecer formas institucionais de controle popular e democrático dos atos governamentais.

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