Em minha última coluna, argumentei que a crise exigirá uma realocação da mão de obra de tal forma que se torna praticamente um delírio esperar uma recuperação do emprego.
Provavelmente, a taxa de desemprego aumentará mais quando os programas de sustentação do emprego expirarem e o fim do isolamento permitir aos desalocados procurarem vagas. É diante dessa perspectiva que cresce a demanda por uma desoneração ampla da folha de pagamentos.
Tal pressão já se expressa no Congresso, cujas lideranças dão como certa a derrubada do veto presidencial à extensão por mais um ano da desoneração que ainda abrange 17 setores. Resquício do Plano Brasil Maior implementado por Dilma, a redução do custo do trabalho, feita só para alguns setores escolhidos, resultou em um enorme rombo fiscal e nenhum aumento da produtividade ou do emprego formal.
O veto não foi justificado pelo demérito do programa. Pelo contrário, desde a campanha presidencial, Guedes alardeia que a desoneração é a solução para a geração de empregos, desde que seja ampla e permanente.
Propostas de políticas públicas devem ser acompanhadas de estudos e, se for possível, de evidência empírica que auxiliem seu desenho. O atual secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, é um dos autores do texto para discussão do Ipea número 2357, o qual conclui que, para o período 2009-2015, não houve diferença na evolução do volume de emprego entre setores contemplados e não contemplados pela desoneração.
Jonathan Gruber (Journal of Labor Economics) examinou a experiência da ampla redução da alíquota sobre a folha de pagamentos ocorrida na reforma previdenciária do Chile. Também lá não houve efeito sobre o nível de emprego, mas sim sobre os salários dos já empregados. Para vários países da OCDE, os resultados são, em média, parecidos com o chileno.
No entanto, há casos específicos bem-sucedidos. A Colômbia é um exemplo, onde programa teve efeito no emprego dos trabalhadores com menores rendimentos e principalmente na formalização das pequenas empresas (“Do Payroll Tax Breaks Stimulate Formality? Evidence from Colombia’s Reform”, Adriana Kugler).
A experiência ainda contou com projetos de qualificação e promoção de estágios, potencializando a formalidade. Focalizar esse benefício nos que ganham até um salário mínimo, os quais têm pouco incentivo a se formalizar, parece fazer mais sentido em um país com pouco espaço fiscal.
Para financiar a desoneração, surgem propostas para a criação de um imposto sobre movimentações financeiras, imposto sobre grandes fortunas e o aumento do imposto sobre lucros e dividendos.
Cabe aqui a mesma observação sobre analisar as nossas experiências passadas e as dos demais países. No livro “Tributação no Brasil: Estudos, Ideias e Propostas”, organizado também pelo secretário Sachsida (Ipea, 2017), o capítulo 8 detalha as distorções e as ineficiências da CMPF e conclui que “a adoção de impostos baseados em movimentação financeira é uma ideia ruim, com potencial de piorar ainda mais o já extremamente ineficiente sistema tributário brasileiro”.
Hoje, um grupo muito restrito de países adota algo parecido com a CPMF, entre eles Argentina e Venezuela. Da mesma forma, o imposto sobre fortunas é cada vez menos frequente em países desenvolvidos por arrecadar muito pouco (“The Role and Design of Net Wealth in the OECD”, 2018).
De outro lado, o argumento de que não pagamos tanto imposto sobre dividendos quanto no resto do mundo ignora a legislação brasileira, a qual concentra a tributação dos lucros nas pessoas jurídicas.
Antes mesmo de o lucro ser distribuído aos sócios, ele é tributado legalmente pela empresa através do IRPJ e CSLL. Assim, a alíquota efetiva sobre os lucros é muito maior do que se propaga, chegando a 34% para empresas e 45% para bancos.
Deve-se, portanto, ter cuidado em buscar soluções aparentemente fáceis para problemas complexos. Se o objetivo é o aumento do crescimento e a geração de empregos, toda atenção é pouca para não implementarmos políticas já fracassadas aqui ou no resto do mundo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.