Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Solange Srour
Descrição de chapéu juros

...e que os juros permaneçam baixos

Que tudo se realize soa como chacota quando uma agenda inteira é relegada

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Hoje é dia de desejar “que tudo se realize no ano que vai nascer”. O ano de 2020 foi o mais longo e, para a grande maioria das pessoas, o pior de nossas vidas.

Não será difícil termos desejos realizados em 2021, pois o que mais queremos é sermos vacinados e podermos viajar, estar perto dos familiares sem restrições e aglomerar nas comemorações com os amigos.

Com o controle do vírus, a vida se aproximará de como era antes. No entanto, teremos de enfrentar os legados de 2020. Aos sobreviventes ficarão as dívidas.

O mais recente Monitor Fiscal do FMI, de outubro, estima que o endividamento bruto vá subir de 105,3% do PIB, em 2019, para 125,5% do PIB, em 2020, nos países avançados. Já nos emergentes, o aumento deverá ser de 52,6% para 62,2% do PIB. Depois da mais recente revisão da série do indicador econômico pelo IBGE, o endividamento bruto brasileiro deve ficar próximo a 90% do PIB.

Historicamente, dívidas nesses patamares foram catalisadoras de grandes crises financeiras em países em desenvolvimento. No entanto, personalidades influentes do debate público argumentam que desta vez será diferente, com o endividamento público sendo colocado como algo muito parecido a um “almoço grátis”.

O nível historicamente baixo das taxas de juros reais permitirá que as próprias expansões fiscais melhorem a sustentabilidade fiscal, elevando o PIB mais do que aumentando o pagamento de dívidas e juros.

A pergunta que se coloca é esta: qual é a garantia de que as taxas de juros reais continuarão baixas nos próximos anos? Pesquisa recente do Financial Times com os mais importantes gestores internacionais aponta justamente o aumento das taxas de juros globais como o maior risco de 2021.

Os ativos financeiros apresentam excelente performance, principalmente os que oferecem maiores retornos, como os dos países emergentes, em virtude do amplo consenso de que a inflação global continuará baixa por muitos anos e os bancos centrais manterão a liquidez abundante.

O que pode dar errado? A recuperação global pode ser mais inflacionária do que se espera. Diferentemente das demais crises, a atual não resultou de excessos de alavancagem nem de grandes desequilíbrios macroeconômicos que demoram para ser digeridos —como ocorreu na grande crise financeira de 2008.

A pandemia foi um choque que interrompeu abruptamente as atividades econômicas, e a velocidade da vacinação determinará a capacidade de sua recomposição. No mundo todo, a taxa de poupança está extremamente alta.

Não se sabe ao certo como os indivíduos se comportarão quando a economia voltar a operar, principalmente enquanto ainda houver substanciais estímulos fiscais e monetários nas mais diversas economias. Em qualquer lugar, se a demanda crescer mais rapidamente do que a oferta, a inflação voltará.

No Brasil, esperar que as taxas de juros fiquem baixas é um exercício ainda menos auspicioso. Além de controlar a alta recente da inflação, será preciso retomar a confiança dos investidores que financiam nossa enorme dívida. Infelizmente, são temas que parecem não despertar o senso de urgência necessário.

O ano termina com uma lista enorme de pendências. Não votamos o Orçamento de 2021, que precisará incluir corte de despesas com obras e custeio para acomodar um reajuste maior de salário mínimo derivado da alta da inflação.

Também não fomos capazes de aprovar a PEC Emergencial, enquanto as promessas de desindexação e desvinculação de gastos foram rechaçadas pelo próprio Executivo.

Não levamos adiante a reforma administrativa, uma âncora fiscal importante depois de termos gasto toda a economia derivada da reforma da Previdência. E a reforma tributária, que prometia maior eficiência e ganhos de produtividade, foi posta de lado.

“Que tudo se realize” soa como uma chacota quando uma agenda inteira é relegada. Se 2020 foi um ano longo para muitos, 2021 será curto demais para o país aprovar reformas antes de as eleições de 2022 contaminarem ainda mais o ambiente político.

No Brasil, o ano geralmente começa depois do Carnaval, mas desta vez estamos mais de um ano atrasados. Resta-nos aguardar a definição sobre o comando da Câmara e do Senado e uma melhora na articulação política para atravessarmos os próximos dois anos. Haja simpatia para garantir tanto tempo de juros baixos!

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