Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Riscos à recuperação

Ventos externos favoráveis não substituem a necessidade de reforçarmos os fundamentos

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Nesta quinta-feira (3), teremos a divulgação do PIB do terceiro trimestre, que deve mostrar alta de cerca de 9% (livre de influências sazonais) em relação ao trimestre anterior.

A forte recuperação econômica foi impulsionada por estímulos fiscais e monetários; mas, sem dúvidas, um fator fundamental foi a volta da mobilidade. Em alguns meses, esta deve ganhar ímpeto com o início da vacinação.

O tombo deste ano será muito menor do que o inicialmente previsto, e não é difícil projetar uma alta do PIB acima de 4% no ano que vem.

No entanto, há um risco não desprezível de a retomada ser interrompida. O crescimento dependerá das decisões que o governo e o Congresso tomarão nas próximas semanas e meses.

Temos dois grandes desafios pela frente. O primeiro é o aumento significativo do contágio, ensejando a adoção de medidas de restrição da mobilidade, justamente quando assistimos a uma forte demanda pela prorrogação do auxílio emergencial.

Trabalhadores do Vale do Jequitinhonha. - Eduardo Knapp - 28.nov.18/Folhapress

No entanto, ao que tudo indica, assim como a Europa e os EUA, o Brasil não adotará os rígidos “lockdowns” da primeira onda; e, ainda que seja justificável manter estímulos fiscais mesmo que menores, não há espaço fiscal para isso.

O Tesouro terá de rolar um montante substancial de dívida no primeiro trimestre de 2021. Não é adequado instigar uma maior aversão ao risco por parte dos nossos financiadores.

O segundo desafio é lidar com o legado fiscal da crise e voltar à consolidação fiscal iniciada com a aprovação do teto de gastos. Passadas as eleições americanas, o anúncio da descoberta de vacinas eficazes consolidou um ambiente muito favorável a países emergentes. A sensação é que o pior ficou para trás.

Passada a eleição municipal, a pauta no Congresso continua travada. Nos próximos dois meses, as atenções estarão voltadas para as disputas entre os partidos do centro político pela eleição das respectivas presidências da Câmara e do Senado.

Perdemos o senso de urgência em fazer os ajustes necessários. Ainda que não caiamos no populismo fiscal (ou estendendo o estado de calamidade ou furando o teto), a inércia inevitavelmente abortará a natural retomada da economia. O teto de gastos dificilmente se sustenta em 2022 sem as medidas da PEC Emergencial, que está com sua discussão travada. A questão é até quando o maior apetite ao risco impedirá a volta da desconfiança em relação ao país.

Não será a diminuição dos prêmios de riscos derivada de uma conjuntura externa benigna que deixará o país menos vulnerável. Sem medidas que sustentem nossa única âncora fiscal, a inflação e os juros baixos estarão ameaçados.

O risco é alto de o Banco Central ter de subir os juros antes e em maior montante do que o projetado pelo mercado financeiro. As inflações implícitas das curvas de juros apontam para um nível de inflação de 4,5% para os próximos anos, enquanto a Selic projetada para o fim de 2021 e de 2022 está em 5,5% e 8,5%, respectivamente.

Se abortarmos a recuperação cíclica, condenaremos também o crescimento de médio prazo. Sem o retorno mais rápido do investimento, o Brasil afastará qualquer possibilidade de voltar a crescer acima de 3% nos próximos anos. Nosso bônus demográfico se foi. A população cresce a uma taxa próxima de 1%, enquanto nossa produtividade está estagnada há quatro décadas.

Além de não lidar com a urgência fiscal, ainda somos capazes de fazer uma série de intervenções que pioram ainda mais o ambiente de negócios, afastando os investimentos produtivos.

Um caso emblemático foi a liminar concedida pelo presidente do STJ permitindo a retomada da concessão da Linha Amarela pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O julgamento da questão está até agora em suspenso. Seu resultado será mais um fator a definir se o Brasil continuará sendo um país onde o investidor começa um projeto sem saber quais serão suas obrigações.

Sem o mínimo de previsibilidade, os investimentos em infraestrutura não deslancham, mesmo com juros baixos.

Os ventos externos favoráveis são bem-vindos, mas não substituem a necessidade de reforçarmos nossos fundamentos de curto e médio prazos. Sem solidez fiscal, a recuperação será anêmica. Sem segurança jurídica e sem reformas que gerem produtividade, a expansão será, no máximo, passageira.

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