Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Regras fiscais para que se as lideranças do país estão a todo momento tentando driblá-las?

Votação do Orçamento escancarou a fragilidade das contas públicas do Brasil

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A votação do Orçamento de 2021 escancarou a disputa por verbas e a fragilidade das contas públicas do Brasil. Ao cortar despesas obrigatórias para abrigar emendas parlamentares, o Congresso pôs em risco todas as regras fiscais do país. Já o próprio governo, ao não atualizar os parâmetros que servem de base para calcular as despesas, aniquilou a transparência orçamentária, deixando um rombo para ser resolvido mais adiante.

Por que um país tem mais de dez regras fiscais se suas lideranças estão a todo momento tentando driblá-las? Por que devemos esperar que restrições sejam eficazes quando vão contra as preferências dos eleitores?

Regras fiscais surgiram justamente como resposta às deficiências do processo de construção do Orçamento, no qual políticos tendem a demandar gastos e exercer pressões que desequilibram as contas públicas.

É o conhecido viés dos benefícios concentrados e custos dispersos. Gastos, em geral, se concentram em um grupo restrito de beneficiários, representando forte incentivo para que grupos de interesse façam campanha pelo seu aumento.

Por outro lado, os reflexos de maiores gastos são, em geral, mais impostos, alta da inflação e perda da confiança —e afetam toda a população. A situação fica mais grave quando os custos não são percebidos de imediato. É aí que a tendência deficitária encontra um ambiente extremamente propício para se desenvolver.

No mundo prático, as regras fiscais buscam permitir que a trajetória da dívida seja vista como sustentável, a despeito da existência do viés. Elas são desenhadas para incentivar que a escolha entre o nível de gastos e os impostos seja feita com racionalidade econômica, e não de acordo com o sentimento político.

Orçamentos deficitários ou superavitários passam então a depender das condições econômicas. A execução de uma política fiscal anticíclica permite que a economia se ajuste eficientemente a choques exógenos.

Em “Fiscal Rules: Theoretical Issues and Historical Experiences” (“Regras Fiscais: Questões Teóricas e Experiências Históricas”, em tradução livre), Charles Wyplosz analisa a experiência de diversas regras fiscais. Com base em uma ampla evidência empírica, argumenta que estas não são necessárias nem suficientes para alcançar a disciplina fiscal, mas ajudam bastante. As regras mais duradouras não são tão rígidas a ponto de serem inexequíveis. Já aquelas muito frouxas se tornam inúteis rapidamente. Achar o meio-termo entre os extremos e criar exceções às regras exigem muito cuidado.

O FMI, em “Fiscal Rules, Escape Clauses, and Large Shocks” (Regras Fiscais, Cláusulas de Escape, e Grandes Choques, em tradução livre), examina como os países aplicaram as cláusulas de escape de suas regras fiscais durante a pandemia.

O Brasil foi incluído nos casos bem-sucedidos. A aprovação de um “Orçamento de Guerra” específico para enfrentar a pandemia permitiu a suspensão de todas as restrições fiscais por um certo período. No entanto, a experiência com cláusulas de escape é inequívoca: o processo deve ser transparente para que a própria regra não seja colocada em xeque.

É justamente esse caminho que o Brasil está trilhando agora. A PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial deveria ser a contrapartida para a expansão do auxílio emergencial. No entanto, sua desidratação aumentou a percepção do risco de sustentabilidade da dívida.

A possibilidade da decretação do “estado de calamidade” definido pela PEC constitui um verdadeiro “cheque em branco”, ao permitir ao governo gastar acima do teto sem compensações neste ano. Essa perspectiva tende a ser cada vez mais concreta, dada a piora das condições sanitária e econômica neste primeiro semestre.

A aprovação do Orçamento foi outro “baque” nas regras fiscais: ao inviabilizar o funcionamento da máquina pública, traz a perspectiva de que o teto de gastos será furado. Essa incerteza não diminuirá com uma recomposição parcial dos gastos obrigatórios subestimados ou com o anúncio de um contingenciamento substancial dos gastos discricionários. Diante do risco de paralisação da máquina pública, encontraremos soluções criativas para o cumprimento do teto ou jogaremos parte da conta para 2022.

O sucesso das regras fiscais depende do meio político em que são aplicadas. Sua eficácia resulta da disposição dos governos em operar obedecendo a restrições. Não é esse o quadro do Brasil atual. O Executivo não tem nenhuma convicção de que é preciso perseverar no ajuste fiscal, enquanto o Legislativo gera impasses que ameaçam desmontar as regras existentes.

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