Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Descrição de chapéu inflação juros

Estabilidade de preços deve ser um fim em si mesma

Argumentar que arcabouço fiscal não é adequado a uma baixa inflação só aumenta vulnerabilidade

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A inflação no Brasil atingiu em março 11,3% no acumulado em 12 meses —o segundo maior índice desde o início do sistema de metas de inflação. O fenômeno não é exclusivamente nosso: o surto inflacionário é global. No entanto, o fato de as pressões inflacionárias terem aspectos comuns às diversas economias não define completamente suas causas nem o modo como os bancos centrais devem atuar para trazê-las de volta a patamares bem mais baixos. Tampouco deveria servir como argumento principal para elevar a meta de inflação ou para defender a busca por uma convergência mais lenta.

A peculiaridades da inflação brasileira deveriam instigar um debate maior não só sobre suas determinantes mas principalmente sobre como podemos voltar a ter preços sob controle, possibilitando juros reais mais baixos e recuperação do crescimento econômico.

As pressões sobre os preços estão bastante difundidas, e todas as medidas de núcleo que buscam captar a tendência dos preços minimizando choques temporários estão nos maiores patamares desde 2004. O efeito secundário da disparada das commodities alcançou todos os grupos do IPCA, e as expectativas de médio e longo prazo se distanciaram das metas. A inflação implícita esperada nos títulos públicos para os próximos cinco anos está em 5,9% —quase o dobro da meta de longo prazo de 3,0%.No Brasil, os efeitos do choque externo foram exacerbados por políticas econômicas que enfraqueceram nossa âncora fiscal (teto de gastos) e por uma política monetária extremamente estimulativa (Selic em 2%) —todas elas responsáveis por uma depreciação expressiva do câmbio.

Cédulas de real - Gabriel Cabral - 21.ago.2019/Folhapress

Mesmo tendo iniciado a elevação dos juros em um ritmo forte (0,75 ponto percentual), os diagnósticos de que as pressões de alta eram temporárias e de que a persistência da inflação havia baixado estruturalmente nutriram a expectativa, por parte do Banco Central, de que a subida dos juros poderia ser célere, mas com intensidade menor. Como a realidade se mostrou diferente, as expectativas passaram a reagir mais à inflação corrente, e o Banco Central precisou ajustar sua comunicação ao longo do processo de aperto.

Estamos diante de uma expectativa de inflação próxima de 8% para este ano (cuja meta é 3,5%) e de 4,5% para 2023 (cuja meta é 3,25%). A atual discussão já aborda como e quando o Banco Central admitirá que não será possível atingir o objetivo em 2023, diminuindo a pressão para que a política monetária fique restritiva por muito tempo.

Situação parecida ocorreu em junho de 2016, quando a nova direção do BC resistiu a não ajustar a meta de 2017. Naquele momento, estávamos com a inflação bem acima da meta, após uma forte deterioração do mix de política econômica, agravamento do desequilíbrio fiscal e expansão desordenada do crédito público. Com a rápida reorientação da política econômica aos pilares ortodoxos, a meta não apenas se mostrou factível como foi rompida para baixo de sua banda.

O momento atual é de uma incerteza excepcional. De um lado, os bancos centrais dos países desenvolvidos começam a apertar suas políticas monetárias —podendo gerar uma forte depreciação das moedas emergentes e aumentar o risco de recessão nos EUA e de queda dos preços de commodities. De outro, os efeitos da guerra na Ucrânia estão longe de estar completamente mapeados: transição energética acelerada, questionamentos sobre a continuidade da soberania do dólar e impactos sobre o crescimento global.

Para completar, novas interrupções nas cadeias globais de produção em decorrência dos lockdowns na China tendem a pressionar os preços industriais por um tempo.

Com a Selic a 11,75% ao ano, estamos menos fragilizados do que estávamos em 2020. No entanto, diante da falta de clareza sobre os determinantes futuros da inflação, inclusive o impacto do atual aperto monetário no PIB, é recomendável tentarmos chegar ao fim do ciclo de aperto monetário perseguindo a estabilidade monetária como um fim em si mesma. Se um ajuste de adicional à Selic atual é suficiente ou não para controlar a inflação, só a evolução das atuais incertezas dirá.

Pensar que uma inflação moderada (em torno de 5%, por exemplo) não trará grandes prejuízos para o crescimento de longo prazo é muito arriscado, principalmente em um país com mecanismos de indexação e sem regras fiscais estáveis. Uma meta de inflação de 3% pode ser crível, dependendo da política econômica de 2023 em diante.

Argumentar que o país é muito suscetível a choques ou que não possui ainda o arcabouço fiscal adequado a uma baixa inflação só irá aumentar a vulnerabilidade de nossa economia e dificultar o alcance da estabilidade de preços.

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