Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Descrição de chapéu Rússia inflação juros

Pandemia, inflação, guerra, lockdown na China e eleições: tempestade perfeita?

Perspectivas para o mundo voltam a ficar nebulosas

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Quando pensávamos ter saído de um dos maiores desafios econômicos da história, as perspectivas para o mundo voltam a ficar nebulosas. Com a guerra na Ucrânia, o aumento da inflação global e o retorno dos lockdowns na China, as dificuldades a serem enfrentadas nos próximos anos tendem a ser conjunturais e estruturais.

No Brasil, apesar de uma maior expectativa para o PIB deste ano, as previsões para 2023 foram revisadas para baixo, com o processo de desinflação cada vez mais custoso. Enquanto isso, o debate eleitoral polarizado não trouxe ainda discussão de propostas para o país. Estamos despreparados para encarar as restrições do cenário externo mais adverso.

As consequências da guerra na Ucrânia vão muito além da redução da oferta de commodities e do risco de estagflação. O "Consenso de Washington", baseado na globalização e no livre comércio como caminhos para a prosperidade e a convergência entre economias avançadas e emergentes, faz parte do passado.

Atendente em um açougue ao lado de cortes de carnes
Inflação das commodities, que repercute sobre o preço dos alimentos, afeta principalmente os mais pobres. - Rubens Cavallari/Folhapress

Se a pandemia exacerbou a preocupação com a autossuficiência nacional, a guerra escancarou limitado espaço para a neutralidade diante de uma maior tensão geopolítica entre EUA e Europa e China e Rússia. Não sabemos qual será a "nova ordem mundial", mas dificilmente seremos beneficiados como antes pela integração entre economias.

Por outro lado, a maior persistência da inflação global amplia a chance de juros mais restritivos, diminuindo a abundante liquidez internacional e o crescimento mundial. Mais do que a questão econômica, a aceleração da inflação pode trazer instabilidade política.

Vale lembrar que a Primavera Árabe foi, em larga medida, provocada pelo aumento de preço de alimentos.

Com mais de 275 milhões de pessoas enfrentando insegurança alimentar aguda no mundo, os organismos multilaterais têm expressado preocupações com o aumento substancial da pobreza e seus impactos sociais. Levar a inflação para patamares significantemente mais baixos será uma tarefa árdua, pois seu combate em muitos casos leva a um aumento do desemprego.

Para completar o quadro, o crescimento chinês tem sido afetado pela política de "zero-Covid", que reduziu a mobilidade de 35% do PIB do país, causando mais uma quebra das cadeias produtivas, escassez de alimentos e aumento das tensões sociais.

Ainda que as autoridades chinesas garantam estímulos a investimentos e recuem no aperto regulatório em curso, o modelo de crescimento baseado na contínua expansão da oferta doméstica no momento em que a demanda global desacelera dificilmente pode ser sustentado sem os surgimentos de novas "bolhas".

Até agora, o cenário externo favorável propiciou a forte expansão da arrecadação com o resultado fiscal, podendo ficar dois anos consecutivos em terreno positivo. Enquanto a atividade econômica se mostrou mais resiliente às altas de juros, o emprego já recuperou o nível pré-pandemia.

Nos contentamos com uma "foto melhor", sem pensar nas mudanças dos ventos externos. Do ponto de vista de agenda macroeconômica, nenhum grande avanço foi realizado após a aprovação da reforma da previdência. Retrocedemos.

Para triplicar o Bolsa Família de forma permanente, alteramos a regra do teto sem discutir alternativas superiores na redução da pobreza com menos despesas. Ao mesmo tempo, o discurso de ganho de arrecadação permanente ameaça os resultados primários futuros com desonerações realizadas sem um desenho sustentável.

O teto está ameaçado por todos os lados. Discute-se agora tirar o Auxílio Família e os investimentos públicos das despesas sob seu controle. Sem um limite efetivo para a despesa total, nossa dívida pública terá trajetória explosiva. A enorme incerteza sobre qual regime fiscal vai prevalecer a partir de 2023 pressiona as expectativas de inflação, a taxa de câmbio e os juros.

Faltando poucos meses para a eleição, estamos ao largo do importante debate sobre qual agenda econômica e social o Brasil perseguirá. A única certeza é de que, quanto mais difícil o cenário externo, maior a necessidade de perseguir rapidamente os ajustes que ficaram para trás.

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