Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Candidatos que lideram pesquisas querem licença para gastar

Gastamos muito, mas não geramos inclusão social nem aumento de produtividade

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Faltando menos de dois meses para a eleição presidencial, os candidatos mais bem colocados nas pesquisas não apresentarão propostas econômicas que tragam de volta a confiança na sustentabilidade fiscal antes do fim do pleito.

O que assistimos são promessas de maiores gastos e o clamor por uma "inevitável flexibilização fiscal para 2023".

A situação é natural de campanhas, mas está na contramão da urgência do ajuste necessário. Fecharemos este ano com uma dívida pública elevada, de curta maturidade e bastante sensível aos juros de curto prazo.

Cédulas de real - Gabriel Cabral - 21.ago.2019/Reuters

A regra fiscal está fragilizada e a arrecadação tende a cair com a perspectiva de controle da inflação, queda de commodities e desaceleração da economia. Não é difícil imaginar que, em um possível ambiente de maior aversão ao risco global, o Brasil encontre dificuldades em se financiar.

Em ambos os espectros políticos, a narrativa para 2023 é a mesma. De um lado, o Auxílio Brasil não pode ser menor do que R$ 600 (com custo total mais do que quatro vezes o do antigo Bolsa Família) diante do aumento da pobreza.

De outro lado, os gastos com pessoal e o investimento público estão represados e precisam subir. O resultado de uma campanha acirrada é a criação de um consenso na sociedade de que é preciso mesmo gastar mais, e para tal só resta a flexibilização ou extinção da regra do teto.

Enquanto a polarização resulta no desejo de se aumentar o papel do Estado, a verdadeira disfuncionalidade do Estado fica fora do radar e do debate político: gastamos muito com políticas públicas, mas não geramos inclusão social nem aumento de produtividade.

Vejamos um dos nossos maiores gastos: educação pública. Segundo dados do Banco Mundial de 2018, nossa despesa equivale a 6,1% do PIB, muito acima das médias mundial (4,9%), da América Latina (5,3%) e da OCDE (5,2%). Apesar do aumento do grau de escolaridade nos últimos anos, os indicadores de aprendizado e produtividade do trabalho elaborados pela OCDE nos colocam em posição bem pior do que a de países com semelhante gasto por aluno.

No que tange ao gasto com proteção social (tema do momento em todo o mundo após a pandemia), o Brasil sempre destoou. Dados do Tesouro Nacional, organizados de acordo com a metodologia da OCDE, mostram que em 2018 o Governo Federal gastou 12,8% do PIB com proteção social, enquanto economias avançadas gastaram 7,1%; e emergentes, 4,3%.

Avançamos com a reforma da Previdência, mas mantivemos uma série de programas sobrepostos e mal articulados. A extinção do abono salarial e do salário-família e a mudança nas regras de acesso ao BPC (aposentadoria por invalidez) enfrentam enorme resistência, enquanto tornamos aceitável a permanência de um benefício que teve de ser concedido às pressas, em uma situação emergencial, e sem fonte de financiamento. Faltam tanto um bom desenho de política pública como uma avaliação de resultados.

Não é à toa que, apesar de tributarmos muito, dado o nosso nível de desenvolvimento, a reforma tributária entra na agenda dos candidatos como forma de aumento da receita. Hoje a carga tributária está torno de 34% do PIB, enquanto a média dos países emergentes é de 27%.

A licença para continuar com o novo Auxílio Brasil é reflexo da velha narrativa de que precisamos de "mais Estado", o que abre espaço para outras licenças: menor tributação sobre combustíveis, mais subsídios para o crédito público, incentivos à reindustrialização do país, retomada dos investimentos públicos em habitação, entre outros. A argumentação é conhecida e fracassada –somente com a retomada do crescimento é possível reequilibrar o orçamento público.

Gastos que precisam aumentar, mas não têm impacto no PIB de curto prazo são postos de lado. Na área da saúde, por exemplo, embora o Brasil gaste muito (9,6% do PIB em 2019 –mais do que a média da OCDE de 8,8%), 60% desse gasto é privado, deixando o Sistema Único de Saúde subfinanciado. Destinamos uma parcela menor do orçamento público à saúde (10,5%) do que a maioria dos países da OCDE em 2019, cuja média é de 15,3%. Boas propostas para melhorar e fortalecer a saúde pública no Brasil não faltam –a Agenda Mais SUS do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) é um dos exemplos.

O desafio de colocar as contas fiscais de volta em uma trajetória sustentável e ao mesmo tempo proteger os mais pobres não é pequeno. Temos de reestabelecer uma regra fiscal crível e um conjunto de medidas que permitam por um bom tempo superávits primários, trazendo não só a estabilização do endividamento, mas também a perspectiva de uma trajetória de queda.

Reformar o papel do Estado é parte inexorável desse processo. Se houver complacência dos mercados, mais fácil pedir uma licença para gastar e empurrar a parte difícil para a frente.

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