Steven Levitsky

É cientista político, autor do livro "Como as Democracias Morrem"

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Steven Levitsky
Descrição de chapéu Eleições 2018

Três mitos sobre uma presidência de Bolsonaro

Há quem vote no candidato acreditando que o Congresso e o Judiciário irão controlá-lo

General Mourão, o vice do Bolsonaro, participa de debate no Secovi-SP em setembro - Danilo Verpa/Folhapress

A polarização nubla nossas percepções. À medida que um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad se torna cada vez mais provável, os brasileiros de centro e de centro-direita encaram uma escolha entre um candidato democrático cujas políticas eles desaprovam (Haddad) e um candidato abertamente autoritário (Bolsonaro).

Alguns abrirão mão de seus princípios democráticos por Bolsonaro. Isso é um erro histórico semelhante ao cometido pelos conservadores alemães em 1932 e pelos venezuelanos progressistas em 1998.
Para justificar seu apoio a um autoritário, muita gente diz que Bolsonaro talvez não seja tão ruim. Três argumentos são especialmente comuns. Como Daniel Ziblatt e eu descobrimos ao pesquisar para o nosso livro “Como As Democracias Morrem”, argumentos semelhantes foram propostos para candidatos autoritários em outros países. E eles foram um erro em quase todos os casos.

1. Ele não fará o que diz

Bolsonaro e Hamilton Mourão fizeram declarações abertamente antidemocráticas —expressando apoio a golpes de Estado, ditadura, tortura e execuções extrajudiciais. Muitos dos partidários de Bolsonaro afirmam que ele não está falando sério sobre essas coisas e que não as faria, como presidente. São “só palavras”.

Esse é um erro grave. Candidatos autoritários em sua maioria se tornam líderes autoritários. Hitler, Mussolini, Perón, Chávez, Correa, Morales, Duterte nas Filipinas e Erdogan na Turquia —todos adotaram discursos autoritários em campanha e atacaram as instituições democráticas quando chegaram ao poder. Palavras em geral se tornam atos, isso é especialmente verdadeiro quanto aos populistas como Bolsonaro. 

Populistas são eleitos sob a promessa de que atacarão o sistema. Conquistam um mandato para sepultar a elite política. Aqueles que não executam essa missão perdem apoio rapidamente. Os populistas sabem disso. E, assim, a maioria deles faz o que disse que faria.

2. Ele é incompetente demais para ameaçar a democracia

Muitos eleitores relutantes de Bolsonaro imaginam que faltaria a ele a capacidade e o poder necessários para solapar as instituições democráticas brasileiras. O Congresso ou os tribunais o deteriam. Isso é igualmente falso. Mesmo políticos aparentemente fracos e inexperientes, vindos de fora do sistema, são capazes de destruir a democracia.

A elite peruana não levou Alberto Fujimori a sério quando ele foi eleito em 1990. Mas o Peru estava em crise e os peruanos estavam zangados com seus políticos. Quando o Congresso e juízes tentaram restringir Fujimori, ele os atacou como criminosos e corruptos, definindo-os como uma elite antidemocrática que havia traído o povo peruano e estava bloqueando os esforços do presidente para resolver os problemas do país.

A maioria dos peruanos simpatizava com a visão do presidente. E quando Fujimori fechou o Congresso e aboliu a Constituição, seus índices de aprovação subiram acima dos 80%. Por conta da imensa popularidade de Fujimori, a elite não foi capaz de detê-lo. Em uma crise, quando o descontentamento público está crescendo, não é preciso talento, experiência ou um plano coerente para subverter a democracia. Basta um pouco de demagogia.

3. Somos capazes de controlá-lo

Esse é o mais perigoso dos mitos. Os políticos que ajudaram a levar Mussolini, Hitler, Perón, Chávez e Erdogan ao poder tinham uma coisa em comum: todos subestimaram seus aliados autoritários. Acreditavam, incorretamente, que seriam capazes de controlá-los.

Quando os liberais italianos se alinharam com os fascistas em 1921, facilitando a ascensão de Mussolini ao poder, o fizeram por acreditar que Mussolini era um político comum, que os ajudaria a derrotar a esquerda mas que eles seriam capazes de controlar. A elite alemã ridicularizava Hitler, chamando-o de “tolo” e “palhaço”.

Os conservadores aceitaram sua indicação como chanceler (primeiro-ministro) na crença de que seriam capazes de usá-lo para buscar seus próprios objetivos políticos. O gabinete inicial de Hitler estava repleto de políticos conservadores experientes, que, ao que se acreditava, colocariam o inexperiente Hitler em seu devido lugar. O líder conservador Franz von Papen disse aos seus aliados: “Não se preocupem. Em dois meses, nós o teremos empurrado com tanta força para o canto que ele vai até apitar”.

Apoiar um candidato autoritário é um jogo perigoso que raramente termina bem. O cientista político Milan Svolik demonstrou que, sob condições de polarização como as que prevalecem hoje no Brasil, as pessoas desprezam seus rivais ideológicos a tal ponto que se dispõem a tolerar autoritarismo, do lado delas.

É assim que morrem as democracias.

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