Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Migração e cultura

Animais transmitem entre gerações saberes sobre deslocamentos

Não importa se a razão é frio, calor, seca, enchente, falta de comida, ataques repetidos, invasão por vizinhos próximos ou distantes, abuso de poder pelos líderes: quando a coisa fica feia, e apesar de todos os custos e riscos, a resposta natural para quem pode —humano ou não— é migrar.

Humanos têm um córtex pré-frontal bem provido de neurônios e com isso podem avaliar situação, contexto, riscos e benefícios, e ainda avaliar opções de destino e trajeto. Em contraste, outros animais são, bem, animais, desprovidos de mapas e internet: migrar deveria ser inviável, certo?

Rebanho de gnus caminha em meio a ambiente de terra
Rebanho de gnus caminha em meio a ambiente de terra - Carl de Souza/AFP

Mas não é. Zebras, bisões, alces, carneiros e várias outras espécies não renomadas por suas habilidades cognitivas migram centenas de quilômetros por ano, atrás de pastagens literal e metaforicamente mais verdes. Várias ainda repetem o mesmo trajeto ano após ano. Como isso é possível?

“Transmissão cultural”, segundo um estudo recém-publicado na revista Science por pesquisadores da Universidade do Wyoming e instituições do governo dos EUA.

Graças ao trabalho cuidadoso de pesquisadores que observaram e coletaram dados sobre migrações ao longo de várias gerações, e graças às instituições que investiram em preservar tanto conhecimento, os cientistas puderam constatar que a migração não é obra de um indivíduo sozinho.

Quem sabe migrar em um habitat mas é transferido por agentes florestais bem intencionados não sabe migrar no novo ambiente quando necessário; é preciso aprender tudo de novo, de preferência com os indivíduos da população residente. Com o tempo, o saber migratório de cada indivíduo vai aumentando —e sendo transferido para as novas gerações.

Carneiros e outros bichos, portanto, também têm cultura. Talvez até tenham escolas migratórias organizadas à sua maneira, onde quem já aprendeu ensina aos mais novos.

Um só cérebro não basta, mas ao longo das gerações a união faz a força.

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