Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Por que encarar uma escalada solo

Amígdala, que associa estímulos a emoções, do cérebro de alpinista só reage a riscos extremos

Eu confesso que entrei no cinema para ver "Free Solo" porque sabia que Alex Honnold tinha chegado ileso ao topo do El Capitan, a rocha emblemática do parque Yosemite, na Califórnia. Já havia visto documentários de alpinistas vivendo ou contando casos de escaladas catastróficas e conhecia muito bem minha reação durante o vídeo: sacudir a cabeça em desaprovação, falar ansiosamente com a tela, xingar os protagonistas com resmungos do tipo “óbvio que isso não era uma boa ideia, imbecil”.

Alex Honnold escala rocha íngreme, com penhasco abaixo
Alex Honnold escala o El Capitan, no parque Yosemite, na Califórnia - Jimmy Chin/National Geographic/AFP

Mas o trailer prometia outra coisa: um rapaz pacato que explicava candidamente por que seu objetivo era fazer as escaladas mais difíceis sem corda, sem segurança, sem companhia; um cineasta, Jimmy Chin, que avaliava sua decisão de filmar o amigo na escalada em questão, e as condições que impôs à equipe de alpinistas-cinegrafistas que o acompanhou ao El Capitan (nenhum comentário sobre os planos de Alex, manifestação de apoio ou desaprovação, e sobretudo zero interferência durante a escalada); e muitas, muitas, muitas horas de preparação.

A preparação é a parte mais fascinante da empreitada. Tommy Caldwell, alpinista profissional, tomou a decisão difícil de ajudar o amigo, escalando o trajeto dezenas de vezes na mesma corda para oferecer segurança, enquanto o cérebro de Alex coreografava e memorizava cada postura, colocação dos dedos, progressão dos pés ao longo da rota. Alex precisava da dificuldade, e Tommy, que sabia ser a melhor pessoa para ajudá-lo, decidiu que não poderia viver com a ideia de que Alex morrera por falta de preparação.

Do prazer de buscar coisas difíceis eu entendo. Quando quis aprender a tocar violão clássico, meu objetivo não era tocar, mas sentir o prazer de vencer a dificuldade, de conquistar o que parecia insuperável. Peças fáceis não têm graça. Peças difíceis exigem treino, dedicação, e destreza para colocar o dedo certo no lugar certo na hora certa com a força certa. O prêmio é a sensação da conquista, que, se chega, é porque veio com o prazer do foco absoluto, como na meditação.

A diferença é que, se eu erro, não morro.

A amígdala do cérebro de Alex só se incomoda com riscos extremos, conforme uma neurocientista constatou. O que deixa os outros com medo não faz nem cócegas na amígdala de Alex. Se ele nasceu assim ou ficou assim, à força de muita prática e autoconfiança, não importa. Ele faz o que os outros não fazem e é generoso o suficiente para compartilhar a experiência da sua diferença.

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