Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Restrição de viagens de cientistas do Brasil não teve repercussão à altura

Ministro da Educação limitou número de participantes em congressos nacionais e internacionais

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Boletim especial sobre minha mesa: “A secretaria da educação, Betsy DeVos, anunciou que de agora em diante, cada departamento das universidades nos Estados Unidos somente poderá enviar um pesquisador para cada reunião ou congresso científico, independentemente da fonte do financiamento para a viagem. Dos quarenta pesquisadores chefes de laboratórios do Instituto do Cérebro da Universidade Vanderbilt, cada um com sua especialidade, apenas um poderá participar da próxima reunião anual da Sociedade de Neurociências —que, por isso, agora deixa de reunir mais de 20 mil neurocientistas dos vários cantos dos EUA; bastam uns cem, mais é desperdício. Os estrangeiros estarão lá, firmes e fortes, apresentando suas descobertas mais recentes, trocando conhecimento, impressões, conselhos, dificuldades e sucessos; apenas os pesquisadores estadunidenses é que estarão limitados a um por departamento, e portanto por universidade do país. Requisições para um segundo cientista viajante somente serão consideradas em circunstâncias extraordinárias. Ah, sim: o pedido de autorização para viagem deve ser feito por escrito à Secretaria de Educação ao menos 30 dias antes do evento; o governo se reserva o direito de negar ou conceder a autorização até a véspera da viagem.” 

Ah, perdão —país errado. A portaria foi publicada no Brasil, no último dia de 2019, pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Abraham Weintraub. Nem o mais insano dos presidentes estadunidenses se atreveria a cassar o direito de ir e vir de seus cientistas.

O ministro da Educação Abraham Weintraub durante entrevista coletiva em Brasília sobre o Enem
O ministro da Educação Abraham Weintraub durante entrevista coletiva em Brasília sobre o Enem - André Coelho/Folhapress

Primeiro, por causa da tal da liberdade, assegurada pela constituição, ao menos aos nacionais. Segundo, até os conservadores mais vermelhos de raiva do liberalismo se orgulham dos feitos intelectuais e tecnológicos de seu país; e terceiro, a Academia de Ciências Chinesa está bafejando cada vez mais forte no cangote dos EUA, ameaçando usurpar sua hegemonia científica, então o Congresso continua aumentando a cada ano o orçamento das agências de fomento, que aliás incentivam os cientistas a viajar para exibir seus feitos, sobretudo para o estrangeiro. 

Eu e meus colegas na Vanderbilt temos preocupações, mas não esta de ter que literalmente pedir licença para embarcar num avião e fazer nosso trabalho. E se algo semelhante a censura científica fosse aventado nos EUA —porque o que mais é a limitação a “um por...”, se não censura? “Um filme por estado”? “Um jornal por cidade”?—, gosto de pensar que a reação do público, cientista ou não, seria imediata e agressiva à altura. Esperaria manifestações nas rádios e TVs de personalidades e influenciadores, protestos e panelaços nas ruas, discursos inflamados de repúdio a tamanha medievalidade governamental.

Certamente não teria a polidez paciente dos queridos Luis Davidovich e Ildeu Moreira, presidentes da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que delicadamente explicaram em uma carta ao Excelentíssimo Senhor Ministro, três semanas mais tarde, por que é importante para o país que cientistas possam viajar, e pediram reconsideração.

É sério? Precisa explicar que cientista também é gente e tem liberdade de ir e vir? Meus colegas cientistas, cadê sua indignação?

Passei os últimos dias torcendo para ver notícias de protestos —e nada.

A geração de conhecimento no Brasil está na panela há tempos, sendo esterilizada aos poucos. Tentar argumentar civilizadamente com o cozinheiro é sinal de que o cozimento lento está funcionando: não tem ninguém pulando da panela ou entornando o caldo.

A fervura é iminente. 

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