Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Depressão é ruim, mas mania é pior

Convencer alguém no estado maníaco a buscar tratamento é difícil, pois eles nunca se sentiram tão bem

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O português não ajuda: no dia a dia, “mania” é aquilo que a gente não consegue deixar de fazer –alinhar a escova de dentes na pia, acertar os papéis na mesa, lavar as mãos dez vezes–, e “maníaco” é o criminoso em série. Mas para a biomedicina, o criminoso em série é potencialmente um sociopata, não maníaco; e a primeira pessoa não tem manias, mas compulsões.

Mania mesmo é algo bem diferente, o oposto da depressão –e maníaco é a pessoa no estado de mania, que pode ser duradouro ou efêmero. Também não ajuda que enquanto a depressão é uma doença cerebral razoavelmente bem conhecida (embora ainda haja quem pense que é frescura, e que a pessoa deprimida poderia perfeitamente “resolver” ficar bem de uma hora para a outra), a mania, que também é doença, até parece coisa boa —à primeira vista.

 

Para o maníaco, tudo parece estar ótimo. Sobretudo quando a mania é leve: com o sistema de motivação e recompensa fazendo hora extra, o hipomaníaco se satisfaz com pouco, vive contente, fala fácil, é carismático, companhia alegre. Gasta fácil, também, porque o retorno antecipado com qualquer compra em muito compensa o dinheiro, que aliás, “no mês que vem tem mais”.

sorriso de um homem, que puxa as pontas de lábios com os dedos
Pessoas com mania se sentem tão bem que é difícil fazê-las perceber os prejuízos que estão causando à própria vida - Getty Images

Quem só encontra às vezes não vê nada de ruim, apenas uma pessoa feliz e generosa. Mesmo que estejam começando a fazer a casa ruir, hipomaníacos são em geral exuberantes e atraentes.

Até que o sistema de recompensa transborda e a dopamina começa a sair pelas orelhas. Daí em diante, a pessoa em hipermania só enxerga o lado bom de tudo o que faz. Como tudo o que vem de dentro é premiado com dopamina, o hipermaníaco também não consegue adotar outros pontos de vista. Conviver com ele é difícil; as dívidas se acumulam, a vida se desorganiza –mas, para o hipermaníaco, o problema está nos outros.

O que fazer para lidar com alguém assim? Depressão dói e ninguém quer, mas convencer alguém no estado maníaco a buscar tratamento é difícil, porque eles de fato nunca se sentiram tão bem: o efeito da doença é exatamente este, um excesso de satisfação que contraria todas as evidências. A chance é maior quando o maníaco volta à normalidade (estatística, mesmo), indicada bastante bem pela volta do sono.

 

Quem tem mais chance de se tratar são os outros, ao redor, que podem aprender a reconhecer a mania alheia –e cuidar de si mesmos. Tudo começa com informação, autoanálise e autoconhecimento. Às vezes, dizer "Basta!" é o melhor tratamento.

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