Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Observações de uma neurocientista chapada pela primeira e provavelmente última vez

Jujuba de Cannabis levou à reconfortante sensação de vazio mental e a temporários lapsos de memória

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Primeiro, a ressalva: nenhuma lei foi infringida na redação desta coluna. Embora o consumo de maconha ainda seja proibido nos EUA por lei federal, a proibição diz respeito explicitamente à molécula delta-9 tetraidrocanabidiol (THC), a principal substância psicoativa da maconha. Principal, mas não única. Sua irmã quase gêmea, a versão delta-8, é praticamente tão ativa quanto, e, por uma daquelas escorregadas legais que a economia de mercado adora explorar enquanto pode, é vendida legalmente nas lojas que comercializam o ansiolítico, mas não viciante canabidiol (CBD), mesmo nos estados que ainda não legalizaram a maconha. Como o Tennessee, onde moro.

Como a comercialização é estritamente regulada, tudo o que se compra nas lojas de CBD vem em altíssima qualidade e pureza, e em quantidades absolutamente controladas, testadas, verificadas —razão de eu sempre dar preferência a consumir medicamentos produzidos por laboratórios farmacêuticos e não na versão natureba, ainda em folhas, em quantidades desconhecidas e cheias de impurezas.

Eu já havia provado uma jujuba de 10 miligramas de delta-8 THC, que não teve efeito além de uma sensação confortável de relaxamento, semelhante ao proporcionado pelo CBD. Não pensei duas vezes antes de aceitar do meu parceiro outra jujuba, que ele depois descobriu ser de 20 mg.

Imagem sombreada de representação de folha de cannabis; ao fundo, iluminada, a rua
Fachada de loja de Cannabis, em Nova York - Kena Betancur/AFP

Estávamos sozinhos em casa; a sensação de conforto, segurança e confiança era plena; meus dois filhos estão na faculdade; todo mundo morre um dia; eu poderia continuar a afirmar que não havia quebrado nenhuma lei federal...e, depois, o esperado era apenas algumas horas sem a dor no corpo constante que acompanha minha ansiedade crônica.

Em uma hora, conversando com meu parceiro, notei que subitamente não lembrava mais do que estávamos falando. A sensação de vazio mental era nova e reconfortante: até a trilha musical que toca permanentemente na minha rádio mental havia silenciado. Em segundos eu recuperei o fio da meada e voltamos à conversa.

Duas horas depois, descobri que os silêncios mentais, que tanto esvaziavam qualquer ansiedade, eram lapsos completos de memória, como episódios de meio segundo de duração de Alzheimer —e recorrentes, em ondas. Assistir a um filme exigiu revisitar a história para reconstruir quem era cada personagem e o que eles faziam ali. De tempos em tempos, o carrossel do meu hipocampo expulsava todas as memórias e dava reset. Cenas cruciais passavam sem registro.

No auge do efeito do delta-8, quando, no meio de um comentário, eu subitamente não tinha a menor lembrança do que estava falando, a sensação de completa incompetência mental me rendeu, em vez de ansiedade, ataques de riso. Foram três episódios fantásticos, deliciosos, de riso incontrolável, daquele em que a gente fecha os olhos e curte as gargalhadas até passar a onda da hilaridade da situação.

Perder o controle pode ser tão incrivelmente bom. Mas acho que para mim, um episódio de demência transitória já chega. Vou ficar no CBD...

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