Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Muitos neurônios associativos tornam corvos inteligentes

Tamanho não é documento: corvos ganham de avestruz em matéria de neurônios

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Corvos, aves da mesma família que inclui as gralhas brasileiras, são bichos tão inteligentes quanto grandes primatas —apesar do cérebro diminuto, que cabe na cabecinha da ave, mais ou menos do tamanho do polegar de um gorila. Como macacos e chimpanzés, e muito melhor do que micos e até cachorros, corvos sabem se identificar no espelho; distinguem quantidades; e não só usam objetos como ferramentas, mas também fabricam as próprias, com o bico e as garras.

Como é possível animais de cérebro tão pequeno serem capazes de tanta coisa? Quando trabalhava no Brasil, eu e meus colaboradores na República Tcheca, que tinham acesso fácil a aves de várias espécies para pesquisa, descobrimos que aves canoras, incluindo papagaios e corvos, têm números de neurônios no seu córtex cerebral comparáveis aos números encontrados em macacos.

Corvos, aves da mesma família que inclui as gralhas brasileiras, são bichos tão inteligentes quanto grandes primatas, devido ao grande número de neurônios associativos que possuem
Corvos, aves da mesma família que inclui as gralhas brasileiras, são bichos tão inteligentes quanto grandes primatas, devido ao grande número de neurônios associativos que possuem - Sebastien Salom Gomis - 14.ago.18/AFP

O achado equivale a descobrir que uma colher e um prato de sopa contêm números semelhantes de sementes —o que só é possível se as sementes na colher, como os neurônios das aves, forem muito menores do que as sementes no prato, como os neurônios de mamíferos. Quanto mais neurônios, maior deve ser a capacidade do córtex em processar sinais e informação, pensamos.

Mas nem todos os neurônios corticais são iguais: há os que processam sensações e movimentos, e outros que juntam coisa com coisa, o que permite ao cérebro criar associações, encontrar padrões e inventar regras. Esses são os neurônios associativos —e talvez, em matéria de flexibilidade cognitiva, que é minha definição de inteligência, seja isso o que importa, muito mais do que o total de neurônios.

Para testar essa possibilidade, meu grupo e dois colegas na Alemanha comparamos três espécies de corvo com pombo, galinha e avestruz, a maior das aves, com o maior cérebro. Mais uma vez, vimos que tamanho não é documento: ainda que os corvos percam do avestruz em termos de números de neurônios sensoriais, são os corvos que ganham, e de longe, em números de neurônios associativos, que estimamos serem tantos quanto no córtex do chimpanzé. O estudo acaba de ser publicado no Journal of Comparative Neurology.

Minha próxima pergunta, agora, é quanta energia custa operar tantos neurônios em cérebros de tamanhos tão diferentes: uma quantidade proporcional ao número de neurônios, ao tamanho do cérebro, ou a alguma outra coisa? Ou seja, o que determina quanta energia um cérebro usa? Serão aves mais eficientes do que nós primatas, neste quesito?

Tentei abordar o assunto quando ainda trabalhava no Brasil, em projeto em colaboração com os mesmos pesquisadores na Alemanha. Eles receberam do governo alemão onze vezes o valor que eu pude sequer solicitar à Faperj, e nunca recebi, porque o Estado do RJ quebrou. Para sorte da minha pesquisa, pude me mudar para outro país, e quanta energia custa um cérebro agora é pergunta que eu posso responder. Me aguardem!

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