Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel
Descrição de chapéu Mente

Aqui tem cheiros bons!

Córtex olfativo representa cheiros e também o local onde eles ocorrem

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Não li Proust, mas sei do poder das madalenas, o bolinho francês, sobre a memória dele. O olfato tem essa fama de sentido com poderes especiais sobre a memória: basta um cheirinho e lá vem uma enxurrada de memórias afetivas, como se cada aroma abrisse uma comporta de recordações e sentimentos associados.

De fato, é bem assim, mesmo, no cérebro. Até o menor dos mamíferos tem um córtex olfativo, chamado "piriforme" por causa do seu formato em pera, respeitável, associado diretamente ao bulbo olfatório, na frente do cérebro, de um lado, e à amígdala, já na parte subcortical, do outro. Essa amígdala, que não é a da garganta, tem sob seu comando toda a fisiologia do corpo, e, portanto, é capaz de nos aliviar o coração, revirar as vísceras, esquentar o corpo, enrubescer o rosto ou deixa-lo lívido.

Um caçador de trufas cheira uma trufa branca junto com seu cachorro, na Itália
Um caçador de trufas cheira uma trufa branca junto com seu cachorro, na Itália - 12.nov.2017 - Marco Bertorello/AFP

Ou seja: nos faz sentir na pele, literalmente, o que se passa no cérebro. As sensações que o cérebro evoca em seguida, de acordo com o estado fisiológico do corpo, são o que chamamos de emoções.

Ensino aos meus alunos que o olfato é, portanto, um sentido fisiológico, capaz de disparar diretamente alterações no estado do corpo: tudo aquilo que vem à mente quando respondemos COMO estamos, e não ONDE estamos.

Mas vou ter que revisar minhas lições, porque a representação cortical do olfato é também espacial, de acordo com estudo recém-publicado na revista Nature por um grupo de pesquisadores da Fundação Champalimaud, em Lisboa, Portugal. Os pesquisadores usaram um teste simples, mas engenhoso, que dá a ratos a oportunidade de tocar o nariz em uma ponta de um labirinto em forma de X para receber uma lufada de um cheiro ali e então ir buscar um prêmio líquido na ponta correspondente do labirinto, de acordo com um código de correspondência que os animais aprendem: banana neste braço, limão naquele, rosa no outro.

Usando eletrodos inseridos no córtex piriforme dos bichinhos, o que permite ouvir a atividade dos neurônios enquanto os animais enfiam o nariz onde querem e vão atrás do seu prêmio, os cientistas descobriram que neurônios diferentes no córtex piriforme representam não só a identidade de cada cheiro, mas também onde eles acontecem. É como se, a cada odor, o córtex olfativo dissesse ao cérebro não só "banana", mas "aqui é o lugar onde o cheiro de banana acontece".

A diferença é extremamente importante, pois vivemos em um contínuo de espaço-tempo. Soa como coisa de "Star Trek" e é isso mesmo: nós, como as coisas ao nosso redor, não existimos soltos no mundo, e, sim, ancorados a locais onde objetos e sensações acontecem. O hipocampo, logo ali ao lado do córtex olfativo, é a parte do cérebro onde um carrossel sempre em movimento costura as narrativas das nossas vidas no espaço-tempo, conforme neurônios representando a atividade da vez sobem e descem do carrossel. O olfato, pelo jeito, contribui marcando cada lugar com o seu cheiro.

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