Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu

A ridicularização de Macri

Escracho do presidente ocorre em shows, estádios de futebol e até na igreja

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Buenos Aires

Nem bem Caetano Veloso e seus filhos saíam do palco do teatro Gran Rex, em Buenos Aires, na última quinta-feira (19), e o público, que até poucos minutos havia se encantado com o repertório dos brasileiros, começou a entoar o raivoso hit “Macri Ya Fue” (Macri já foi).

A canção tem sido a trilha sonora dos anti-macristas neste período pré-eleitoral (os argentinos vão às urnas em 27 de outubro).

Macri tem possibilidades mínimas de se reeleger. Se nas primárias perdeu para o kirchnerista Alberto Fernández por 15 pontos, as novas pesquisas mostram brecha maior e o candidato peronista vencendo já no primeiro turno.

O presidente argentino Mauricio Macri durante visita ao Paraguai
O presidente argentino Mauricio Macri durante visita ao Paraguai - Jorge Adorno - 23.ago.19/Reuters

Mas não é só a novela política e a dramática crise econômica gerada por ela o que mais surpreende, e sim o nível de agressividade com o qual os anti-macristas querem enxotar da Casa Rosada o atual presidente (não faltam rumores de políticos e celebridades que dizem que ele deve deixar o cargo antes, como Raúl Alfonsín, em 1989).

É certo que a polarização é comum em muitas partes do mundo. Mas é de se lamentar que não exista, por ora, a mínima possibilidade de uma transição de poder com algo de respeito democrático na Argentina

“Macri Ya Fue” é cantada ao final de shows, em “flashmobs” e estádios de futebol, e substituiu outro canto de guerra que se popularizou em 2018, quando a Argentina pediu o empréstimo de US$ 57 bilhões ao FMI (Fundo Monetário Internacional), por muitos considerado uma humilhação.

Este, conhecido como “MMLPQTP”, dizia “Mauricio Macri La Puta Que Te Parió” (creio que dispensa traduções) e foi entoada em espaços inusitados, como no intervalo de um épico show de Nick Cave ou na final da Libertadores entre River Plate e Boca Juniors.

O escracho do presidente ocorre também em outros níveis da convivência social. Na última semana, Macri esteve em Salta, capital de uma das províncias mais pobres do país.

O presidente compareceu, com a primeira-dama, à mais tradicional festa da região, a da Virgem do Milagre. Durante a missa, o arcebispo local, Mario Carganello, disse: “Quando iniciou seu mandato, o sr. disse que lutaria pela pobreza zero. O que Salta pode responder-lhe hoje? Salta lhe responde mostrando seu rosto. E é o rosto da pobreza”. Um silêncio sepulcral tomou conta do recinto.

Num país em que igreja e governo andam de mãos dadas, a bronca do arcebispo ao presidente retumbou como uma surra entre instituições na opinião pública.

Não há clima algum de respeito pelo cargo em disputa nem pelo rito de sucessão, que deveria ser algo indiscutível em qualquer democracia.

Nesse ambiente, ajuda pouco que Jair Bolsonaro tenha lançado tantos insultos a Alberto Fernández. E agora, virá à sua provável posse, em 10 de dezembro? Ou fará a molecagem de não aparecer?

Quando Cristina Kirchner deixou o poder, recusou-se, tal qual uma menina mimada, a entregar o mando a Macri, deixando o cargo 12 horas antes.

Parece disputa de adolescentes. O mínimo que Macri pode fazer, caso seu mandato de fato termine, é chefiar uma transição ordenada e estar presente no dia da transmissão do cargo.

Aí, quem sabe, poderemos pelo menos dizer que há alguma esperança de que a democracia amadureça na Argentina.

Erramos: o texto foi alterado

O verbo enxovalhar foi usado incorretamente no lugar de enxotar. O texto foi corrigido.

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